(Domingo após o trabalho)
O vento noturno deixava o frio mais bravo. Parecia que ele procurava meu rosto: ia até a esquina, entrava na garagem do prédio, voltava irritado e acertava minha fronte
Sonhava com alguma cashmere perdida no armário, mas próximo mesmo só o conhaque no boteco. O volume no bolso anunciava alguns trocados em forma de moeda. O suficiente pra esticar a mão com segurança e pedir o conhaque surrado. Enxerguei alguma luz amarela de boteco saindo fraca no meio de um quarteirão, apertada no espaço de um comércio pequeno e sujo. Luz amarela que destoou com a noite cinza e deixou a composição bem feia. Meu conforto dependia desse lugar apertado, feio e usurpador da poesia noturna cinza, cheio de estórias repetitivas de bêbados e cachorros com sarnas. Hoje ele estará ainda pior, pois abrigará pessoas como eu, que se atordoam com facilidade.
Entrei. Todos me olharam. Não eram muitos. O suficiente para me pôr
- Fala !! - ele rosnou.
Seu cabelo levou uma rajada de vento frio (aquele mesmo que me seguiu o tempo inteiro) e a fisionomia piorou ainda mais. Eu quis ser firme mas só consegui soltar um miado tenso e alto demais:
- Um conhaque em copo de plástico...
Ele fechou um olho e outro me olhou firme. Depois olhou para os outros clientes cheios de graxa pela roupa e levantou a mão pra compartilhar o quanto desaprovava o teor do meu pedido. Resmungou que no copo de plástico era mais caro.
- Eu pago – obedeci .
- Lógico que você vai pagar ! - disse ele.
Explodiu um coro de risadas. Elas devem ter acordado todo o quarteirão. Esquentaram o bar e minhas orelhas. O boteco mudou de cor com a explosão. Isso me salvou. Fiquei menos tenso e fui embora com a bochecha vermelha e envergonhada.
O vento foi embora na minha frente. Não gostou do calor das risadas. Tropecei de leve num bueiro deixando pingar algumas gotas da bebida no chão. A oferenda involuntária de conhaque ao santo assustou mais ainda o vento, que chegou em casa primeiro que eu.
Quem me embalou nos passos quentes e levemente alcoolizados para casa foi a cantora e sua guitarra, pelo fone de ouvido. As luzes cinzas da noite fria voltaram a ficar lindas. A curiosidade me fez olhar a luz do boteco novamente, só que agora bem longe, de amarelo se transformou
1 comentário:
Olha, um antigo novo post.
Saber q é meio autobiografico me dá um prazer a mais em le-lo.
quem sabe descobrindo um pouco de vc, eu não consiga conduzir a conversa alguma vez.
"Conduzindo Mr. Fabri." rs*
Beijos
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