quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Vento frio

(Domingo após o trabalho)


O vento noturno deixava o frio mais bravo. Parecia que ele procurava meu rosto: ia até a esquina, entrava na garagem do prédio, voltava irritado e acertava minha fronte em cheio. Até me desconcentrava. Eu errava os caminhos, atropelava motos e não prestava atenção na música que apertava meus ouvidos. Lembro que saí de casa ouvindo uma cantora no fone de ouvido e não sabia se o vento frio me deixaria ouvi-la até chegar em casa.

Sonhava com alguma cashmere perdida no armário, mas próximo mesmo só o conhaque no boteco. O volume no bolso anunciava alguns trocados em forma de moeda. O suficiente pra esticar a mão com segurança e pedir o conhaque surrado. Enxerguei alguma luz amarela de boteco saindo fraca no meio de um quarteirão, apertada no espaço de um comércio pequeno e sujo. Luz amarela que destoou com a noite cinza e deixou a composição bem feia. Meu conforto dependia desse lugar apertado, feio e usurpador da poesia noturna cinza, cheio de estórias repetitivas de bêbados e cachorros com sarnas. Hoje ele estará ainda pior, pois abrigará pessoas como eu, que se atordoam com facilidade.

Entrei. Todos me olharam. Não eram muitos. O suficiente para me pôr em xeque. Algumas técnicas de respiração e alguns passos me deixaram frente a frente com o pior humor do bar: o dono e sua barba cheirando a cachaça e cinza de cigarro.

- Fala !! - ele rosnou.

Seu cabelo levou uma rajada de vento frio (aquele mesmo que me seguiu o tempo inteiro) e a fisionomia piorou ainda mais. Eu quis ser firme mas só consegui soltar um miado tenso e alto demais:

- Um conhaque em copo de plástico...

Ele fechou um olho e outro me olhou firme. Depois olhou para os outros clientes cheios de graxa pela roupa e levantou a mão pra compartilhar o quanto desaprovava o teor do meu pedido. Resmungou que no copo de plástico era mais caro.

- Eu pago – obedeci .

- Lógico que você vai pagar ! - disse ele.

Explodiu um coro de risadas. Elas devem ter acordado todo o quarteirão. Esquentaram o bar e minhas orelhas. O boteco mudou de cor com a explosão. Isso me salvou. Fiquei menos tenso e fui embora com a bochecha vermelha e envergonhada.

O vento foi embora na minha frente. Não gostou do calor das risadas. Tropecei de leve num bueiro deixando pingar algumas gotas da bebida no chão. A oferenda involuntária de conhaque ao santo assustou mais ainda o vento, que chegou em casa primeiro que eu.

Quem me embalou nos passos quentes e levemente alcoolizados para casa foi a cantora e sua guitarra, pelo fone de ouvido. As luzes cinzas da noite fria voltaram a ficar lindas. A curiosidade me fez olhar a luz do boteco novamente, só que agora bem longe, de amarelo se transformou em vermelha. Era sinal de que ainda riam de mim.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olha, um antigo novo post.

Saber q é meio autobiografico me dá um prazer a mais em le-lo.

quem sabe descobrindo um pouco de vc, eu não consiga conduzir a conversa alguma vez.

"Conduzindo Mr. Fabri." rs*

Beijos