quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

domingo, 2 de novembro de 2008

Um dia qualquer: terça feira




Nunca desprezo nenhum dia. Eles podem se transformar completamente e se agitar de forma frenética ou cair em malemolência profunda. Se essas mudanças vão me agradar ou não é outra estória. Mas, o hábito de proferir frases contra alguns dias da semana não se apossou de mim. Pelo contrário, sempre os elogio. O nome deste blog faz referência direta ao dia da semana que talvez seja um dos mais odiados – não por mim. Só deve perder para a segunda-feira.

Durante muito tempo, não tive dia certo para trabalhar ou folgar. Finais de semana e feriados trabalhando intercalados com dias úteis bundando. Para mim, se tornavam mais úteis ainda. Aprendi a enxergar os dias de outra maneira. Sem a relação de obrigação versus ócio: para mim é tudo misturado. Não existe dia certo para isso ou dia certo para aquilo. Sempre citei o ócio criativo aqui no blog por acreditar nessa estratégia. Isso não quer dizer que eu não goste de trabalhar. Intercalar, de forma produtiva, folga e trabalho parece ser a grande sacada.

E, naquela terça-feira (23/09), um dia qualquer começava. Friozinho, banho quente, rádio Cultura AM para ouvir música e notícia, cheiro de café incensando a casa, o gato mia para pedir o desjejum. Aproveitei que ainda era cedo e baixei os 3 discos do trio Kassin, Domenico e Moreno.

A novidade nos fones de ouvido me obrigou a ir à pé até o trabalho. Vinte e cinco minutos para ir conhecendo um pouco desses três álbuns. Digo que o primeiro contato com eles foi uma ótima companhia: não estorvaram meu café com leite e a canoa (pão com manteiga na chapa); se comportaram direitinho quando passei pelo meio da feira, pois até o volume diminuiu e os feirantes conseguiram berrar no ritmo da música; aproveitaram e reforçaram o colorido do segundo dia de primavera e, quando cheguei ao meu posto de trabalho, fiquei triste de desligá-los para bater o ponto.

Após duas horas de paulada no atendimento - telefone, fax, simulações e assinatura de contratos - fiquei sabendo que iria ao centro da cidade deixar certos devedores mais conhecidos em alguns cartórios.

Os cartórios de notas se concentram nas imediações da Praça da Sé. Meu roteiro foi: Rangel Pestana, Pátio do Colégio, 15 de Novembro, Quintino bocaiúva, Brig. Luis Antônio, Pça. João Mendes e outras por ali. E foi nessas ruas que tive o segundo contato com os álbuns do trio, baixados pela manhã. Foi demais a sintonia da música com o centro velho de São Paulo. Diria que ter a idéia de fazer o download desses caras foi meio profético, mesmo que eu não tenha percebido.

O normal para mim sempre foi ouvir Sonic Youth, Velvet Underground ou Jesus & The Mary Chain para combinar com o centro velho de São Paulo. Nunca imaginei que três cariocas podiam fazer essa trilha. Podiam ser cariocas e fazer rock? Sim, sim. Mas não é o caso. Eles fazem MPB eletrônica, com ecos de Bossa Nova, João Donato, Marcos Valle e tecladinhos vintage. No máximo um rock ingênuo.

Eu estava lá, na janela do ônibus, vendo gente com placas de “compro ouro” na mão, malandros encostados nas paredes, gente engravatada com ternos baratos, moleques de rua, office-boys, e a música combinava direitinho. Meu olhar até conseguia editar os andares das pessoas e os movimentos de mãos de quem conversava. Às vezes em slow motion, às vezes mais corrido. Num momento, olhei tudo cinza quando a música ficou um pouco mais triste. Eu encontrava personagens para as canções que ouvia no fone de ouvido.

Andando naqueles calçadões, ouvindo a gritaria dos camelôs, olhando aquela arquitetura imponente, me senti em casa. Tão em casa, que quase fui atropelado por 2 motos. A música me deixou meio chapado, sem querer. Fiquei com um sorriso carimbado no rosto. Achava tudo lindo e prazeiroso. Devo ter dado bandeira.

Era impossível não se render à poesia desses caras. Do álbum de Kassin+2, “Futurismo”, saiu uma dessa:

“Quando você saía

A casa entristecia

As torneiras choravam

As portas esperando

Você voltar

Pra alegrar

O seu lugar”

(O seu lugar)

Ou do álbum de Moreno + 2, “Máquina de fazer música”:

“Eu não gosto tanto de você assim

Mas sempre que você se afasta de mim

Eu confesso que já não consigo te esquecer, menina”

(Arrivederci)

E do disco do Domenico + 2,”Sincerely hot”:

“Cedo ou tarde

De manhã

Sem destino

O abismo é total

Sem parar

Vejo você”

(Solar)

Às 16 horas eu ainda não havia almoçado. O bairro da Liberdade é muito perto da Praça da Sé. Corri para o “Karê Ya”, restaurante coreano/chinês/japonês especializado em curry. Karê é como o japonês pronuncia curry. A comida é hot hot hot. Não dá para comer num dia quente.

Tracei um “bibimpá”, que leva arroz crocante com gergelim, o karê de carne e legumes, acelga na conserva bem apimentada e um molho agridoce. O prato é servido numa panela de ferro e uma base de madeira. Sentindo o gosto da pimenta e da cerveja na boca, sorri ao constatar que a simples terça feira me trouxe tanta diversão.


domingo, 12 de outubro de 2008

Bilhete


Faz dez dias que estou sem internet em casa. Atualizo esse post direto de uma lan house mal cheirosa, barulhenta e desconfortável. Servirá apenas como um bilhete, pelo visto. Não quero ficar aqui nem meia hora. Gente estranha, mal educada e meio perturbada por perto.
Ficar off line nesse perído foi ótimo. Aprendi a organizar meu tempo na internet, respirar mais coisas reais, ver os amigos, sentir a vida pelo vento - e não por bytes. Fiquei com saudade dos blogs que lia rotineiramente e de atualizar o meu. Mas nem isso foi motivo para me conectar. Logo voltarei à carga. No final deste bilhete colocarei a letra de uma música que talvez relacione o que eu penso e reflito sobre a internet. Ao lado de tantas vantagens e benefícios, um certo espírito mentiroso paira sempre no mundo on line.
Eu fiquei sem água também nesse período. Três dias de banho de canequinha. E olha que fez frio, viu? A SABESP veio modernizar as instalações da rua e voltei pro século 19. Foi divetido - agora visto de longe. Cozinhei menos e lavei menos louça.
Todas essa privações foram acompanhadas da greve da minha categoria. Nada de ficar em casa. Sou delegado sindical e tenho que ficar na rua engrossando o movimento, fazendo piquete bem cedinho. Mas eu gosto de piquetar, mesmo que esteja frio. Estou exausto. Meu rosto queimado de sol parecendo que cortei cana na roça.
Está tudo bem. Adoro me sentir cansado e ocupado. É sério! Falo muito do ócio criativo, mas sempre intercalado com trabalho, que fique claro.
Deixo uma letra do Moreno Veloso - filho do Caetano com o o mesmo sobrenome - para dar um exemplo do que penso sobre internautas. Ele faz parte de um trio que não tem nome, junto com Kassin e Domênico. Quando lançam disco o nome do artista fica assim: Moreno + 2, Domênico + 2 e Kassin + 2. Isto quer dizer que o disco tem composições do músico em questão, mas o trio permanece o mesmo. Esse trio me inspirou um passeio pelo centro de São Paulo e logo colocarei um post sobre esse dia. Aguardem! O disco do Moreno chama "Máquina de fazer música". Essa música também fez parte do repertório da ex-banda do Moreno chama "Mulheres que dizem sim". E uma banda aqui de São Paulo - o Banzé - regravou também. Com o Moreno virou uma bossinha só no violão.
Ô bilhete longo!
A foto feita por mim e tem mais de 3 anos: um fio de modem no assoalho.

"Eu sou melhor que você"
(Moreno Veloso)

Todo mundo acha que pode, acha que é pop, acha que é poeta.
Todo mundo tem razão e vence sempre na hora certa.
Todo mundo prova sempre pra si mesmo que não há derrota.
Todo homem tem voz grossa e tem pau grande,
E é maior do que o meu, do que o seu, do que o do Pedro Sá
Todo mundo é referência e se compara só pra ver que é melhor.
Todo mundo é mais bonito do que eu mas eu sou mais que todos.
Todo mundo tem suingue, é feliz, é forte e sabe sambar.
Todos querem mas não podem admitir a coexistência do orgulho e do amor porque:
Eu sou melhor que você, Boa viagem.
Eu sou melhor que você mas por favor fique comigo que eu não tenho mais ninguém
Todo mundo diz que sabe e quando diz que não sabe é porque,
é charmoso não saber algo que todas as pessoas já sabem como é.
Todo mundo é especial, é original, é o que todos queriam ser.
Não basta ser inteligente, tem que ser mais do que o outro pra ele te reconhecer.
Todo mundo ganha grana pra dizer que ela não vale nada.
Todo mundo diz que é contra a violência e sempre dá porrada.
Todos querem se apaixonar sem se arriscar, nem se expor e nem sofrer.
Todas querem vida fácil sem ser puta e com reputação,
Se reprimem e começam a dizer:
Eu sou melhor que você.
Eu sou melhor que você mas por favor fique comigo que eu não tenho mais ninguém!

É melhor que você,
Mais ninguém é melhor que você.

Todo mundo acha que pode, acha que é pop, acha que é poeta.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Que merda! (Notícia que envolve o post abaixo)


MOJO Club temporariamente adiado
Posted in September 17th, 2008
por danilocorci in Avisos

E viva SP: com imensa dor no coração teremos de cancelar o primeiro MOJO Club no Tapas!!! A Prefeitura de SP prometeu alvará para o dia 10, hoje é dia 17 e não chegou ainda, o dono do Tapas resolveu adiar os projetos dessa semana. Assim que tudo estiver estabilizado, o MOJO Club – happy hour mais ninja do mundo – estreiará!
http://www.mojobooks.com.br/


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Vamos ler coisas dos outros?


Eu sou muito desorganizado. Não posso culpar a falta de tempo ou a falta de inspiração pela minha ausência por aqui nesse espaço. Sim, sim, ando sem tempo ultimamente, cheio de obrigações em todos os horários, mas esse ritmo me deixa bastante inspirado. Não escrevo por preguiça mesmo. Quando me sobra um tempo, o computador não é a melhor companhia. Conheço muitos bares, muitas pessoas e muitos livros para curtir um ócio criativo.

Ficaria muito feliz se eu conseguisse postar um texto por semana e mantivesse essa média sempre. Ótimo para me exercitar na escrita, bom para os leitores assíduos, mas péssimo para mim que não cumprirei a promessa. Não prometeria isso nem a caralho. Sou craque em me enganar.

Já considerava que neste mês de setembro eu publicaria muito pouco (talvez isso ainda se confirme), mas uma mensagem de correio eletrônico me deu uma boa animada. Eu não atualizo o blog sempre, mas na minha cabeça ele está recheado até o final do ano e, um desses posts imaginários, é a indicação de alguns textos gratuitos distribuídos na rede mundial. Essa idéia de indicar, sugerir, recomendar através do blog, é uma inspiração bem produtiva de um blog parceiro, de um amigo de longa data: o Videodrome, do Malta. Farei isso aqui.

Lá, descobri um site delicioso de textos gratuitos e com uma inspiração ímpar. É uma editora digital chamada “Mojo books”. O mote dos seus textos são álbuns da música pop, ou seja, “se música fosse literatura, que história contaria?”, segundo a própria Mojo. O autor, ou autora, escolhe um álbum, escreve um texto ficcional sobre ele e faz um upload. Encontramos textos inspirados em discos dos mais variados artistas: desde Beatles, Nirvana e The Cure, até Chico Buarque, Odair José e as cantoras Fiona Apple e Amy Winehouse. Tem de tudo. Mesmo. Alguns domingos atrás, o programa literário “Entrelinhas” da TV Cultura mostrou a editora, suas idéias e seus fundadores. Vale a pena conferir. Um pequeno cadastro e você baixa o livro com capa e tudo.

Foi o newsletter deles na minha caixa postal, contando uma novidade muito boa que me animou a escrever esse post. A Mojo fará um happy hour às quintas feiras, no bar Tapas, ao lado do famoso bar Ibotirama na rua com igual fama: a Augusta. O drink principal será o delicioso - e óbvio - mojito. O nome Tapas também carrega outra obviedade, já que a casa é especializada nos aperitivos espanhóis chamados “tapas”. A estréia do “Mojo club” é nessa quinta (18/09) às 18 horas. Eles prometem um “double mojito” até às 21 hs. Outra dobradinha interessante é a composição dos DJs dessa semana: Clarah Averbuck e Mario Bortolotto.

A primeira é escritora, cantora em bandas undergorund e ficou conhecida escrevendo em blogs e fanzines digitais. O filme “Nome próprio” de Murilo Salles é inspirado em dois livros seus: “Máquina de pinball” e “Vida de gato”. O segundo é dramaturgo, músico, escritor, diretor de teatro, ator e também tem um texto que inspirou a realização de um filme: “Nossa vida não cabe num opala” de Reinaldo Pinheiro. Nos palcos de teatro se chama “Nossa vida não vale um chevrolet”.Curioso pelas suas discotecagens, estarei lá.


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Aproveitando essa onda de indicações, sugiro o download gratuito do livro “Máquina de Pinball” (foto) da Clarah Averbuck e a leitura do seu blog, o “Adiós lounge”. Tente num desses dois links:

http://somdoroque.blogspot.com/2008/06/mquina-de-pinball-clarah-averbuck-livro.html

http://www.lojaconrad.com.br/download_maquina.asp

Veja um “control c control v” lá do blog dela sobre o download gratuito de seu livro: “eu acho sensacional. nunca vou ser bestseller e prefiro ser lida do que ficar esperando a merreca da porcentagem. e gosto também da idéia de deixar a obra original mais perto das mãos de quem nunca me leu”. Adoro essa falta de letras maiúsculas em seus textos. Deve ser influência do Bukowski.

Clarah cantava numa banda muito legal chamada “Jazzie & Os Vendidos”, um trio de punk-blues. Assisti shows deles nos clubes “Berlim” e “Funhouse” e na festa de aniversário da Funhouse que foi no galpão que hoje abriga o Clube Belfiore. Saudade dessas apresentações.


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Mais uma indicação aí? Ah, sim sim.

A Editora do Bispo tem downloads saborosos também. José Simão, Paulo César Pereio, Xico Sá, entre outros, estão lá na lista. Tudo de graça. A editora foi fundada em 2005 e tem como ideário lançar livros “na contramão da caretice e do conservadorismo do mundo editorial” e têm “a beleza do pecado e da desobediência”. Um dos lançamentos é o livro da Clarah Averbuck, "Nossa Senhora da pequena morte" que tem como embalagem um vinil que você escolhe na hora. Veja o que a própria Clarah diz: "O livro, que tem a maioria das páginas escritas à mão ou datilografadas, vem dentro de capas clássicas de velhos e bons long-plays (LPs), com direito a vinis de rock, blues, jazz, clássicos e até raríssimos vinis mexicanos. O leitor pode escolher o seu “Nossa Senhora...” de acordo com o seu pendor musical". Convidativo pra caralho!

http://www.editoradobispo.com.br/site/download.php


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A última indicação é o livro “Ovelhas que voam se perdem no céu” de Daniel Pellizzari. Lógico que a indicação também é gratuita e via download. Tente aqui:

http://mojo.livrosdomal.org/

O autor nasceu em Manaus, mas cresceu em Porto Alegre. Também escreveu bastante na internet e é da mesma turma de Clarah Averbuck no fanzine digital “CardosOnline”. Fundou a editora “Livros do mal” em 2001 com outro Daniel, o Galera. Conheci sua obra com “O Livro das Cousas que Acontecem” que um amigo de faculdade emprestou. Gostei muito. Uma seleção de contos que parece uma pedrada na testa.


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Se eu pegar gosto de postar indicações talvez aumente minha freqüência por aqui. É que esse papel pode parecer uma coisa tão pedante...mas eu não penso assim, tá? Só quero compartilhar algumas formas de arte que me tocam, que me surpreendem, que me ensinam, que me esquentam em noites frias. Aliás, o frio hoje me acompanhou enquanto escrevia. Foram poucos dias assim nesse inverno de “araque”. Estava com saudade de um chá bem quente e torradas com manteiga “Aviação”.


terça-feira, 26 de agosto de 2008

Dois LPs de cantoras negras


Optei por mudar um pouco de estilo nas compras e importei dois vinis de cantoras negras. Uma é Erykah Badu, a diva da nova soul music (ou nu-soul). A outra é Sharon Jones, a cantora que, com sua banda (os Dap Kings), inspirou o recente álbum de Amy Winehouse. Badu faz uma música negra que olha para o futuro e Jones quer sonoridades do passado. Enquanto a primeira aposta em timbres digitais, a segunda procura os timbres valvulados. Elas têm ainda mais características opostas, mas minha escolha não foi pensada nessa oposição. Foi sem querer. Lá no site da Amazon, enquanto comprava, nem pensei nisso.

Conheci Erykah Badu dez anos atrás com o seu álbum de estréia (“Baduizm”, de 1997) premiado com Grammys e estourado na Billboard americana. Misturava jazz com batidas hip-hop feitas na mão, sem Djs. Na época diziam que o timbre de sua voz lembrava muito Billie Holiday. Sua música possui um clima sofisticado sem ser pedante, pois mantém aquele bom gosto dos músicos negros e não deixa que a fama estrague seu charme ou mude suas composições. Essa presença do jazz foi diminuindo com o tempo e hoje está mais influenciada pela soul music, mas continua classuda. Ela não grava tantos álbuns. Fica períodos longos sem lançar discos para se dedicar à maternidade, mas sempre grava com artistas do hip hop em participações especiais. No total possui quatro álbuns e um gravado ao vivo.

Sharon Jones, entretanto, conheci somente este ano, quando fiquei curioso e interessado pelo groove do álbum “Back to black” da Amy Winehouse. Uma gingada muito parecida com os discos das consagradas gravadoras Motown e Stax. Essa sonoridade, que me remete diretamente à soul music sessentista, vem da banda Dap Kings. Descobri que eles tocam com Sharon Jones antes de tocar com a garota problema de Londres, que ouviu a negrona americana e ficou de quatro. Outra característica oposta à Erykah Badu, que gravou um álbum aos vinte e poucos, é que Jones sempre quis ser cantora, mas gravou seu próprio álbum depois dos 40 anos. Contribuía aqui e ali na década de 70 como backing vocals e, aos 30 anos, resolveu entrar para a polícia. Foi agente numa prisão e depois vigilante de carro forte. Voltou a cantar e gravar quando encontrou os Dap Kings, banda que só se interessa por instrumentos analógicos e continua com os timbres da década de 60. Veja aqui um video clip que também tem essa preocupação retrô. Até a capa do disco, conforme foto acima, tem a preocupação de parecer antiga. Jones tem uma voz poderosa, de longo alcance e tão suingada que chacoalha o esqueleto de qualquer defunto.

A música negra me acompanha desde a infância. Cresci nos anos 70 e era fácil ouvir hits de negões em qualquer lugar. Mais fácil para mim que tinha uma avó negra, madrasta da minha mãe, que é bem branquinha. Ela nem ouvia tanto os sucessos da soul music brasileira ou internacional, mas seus primos e tios, todos de black power bem penteado, ouviam a tarde inteira para alegrar meus sábados e domingos no bairro Casa Verde. Carrego esse banzo até hoje quando escuto Stevie Wonder, Marvin Gaye, Otis Reding, Jackson Five, ou as Supremes, as Marvelettes, e também os brasileiros Cassiano, Tim Maia, Hyldon. Ainda me dão aquela sensação de sábado ensolarado e bons sentimentos. E ainda hoje, até outros artistas que tocam algo parecido, ou artistas que soltam um pequeno falsete, seja Lenny Kravitz imitando Curtis Mayfield ou K. L. Jay (da banda Jamiroquai) imitando Stevie Wonder, também me levam a esse sentimento.

Pouco depois dessa época da Casa Verde, íamos sempre para o apartamento da minha tia na Rua Clélia e, lá de cima, uma vista bonita para o Pico do Jaraguá, para boa parte da zona norte e para as estações de trem da Lapa e da Água Branca, também me inspiravam porque vinham acompanhadas de mais música negra. Mas aí já era a década de 80 e eu mesmo escolhia os discos para tocar. Mais sábados ensolarados com cheiro de pastel de feira, cheiro de frutas frescas e os negões na vitrola. Na adolescência, eu descobri o rock e ele ofuscou um pouco esse gosto. Quando ouvia música negra, eram somente as novidades do hip hop. Voltei a ouvi-la com mais freqüência por volta dos meus vinte anos de idade. E não parei mais. Aprendi que brancos não fazem músicas românticas: fazem músicas piegas. Mas a música negra sim, ela toca o coração de verdade. Ou então é doidona, dançante e cheia de vigor.

As coisas ficaram assim: o álbum que comprei da Sharon Jones se chama “Dap Dippin” de 2001. Cheio de suingue, lógico, deixa essas cantoras branquelas da moda no chinelo. A banda recheia o disco de forma sensacional, com direito até àquelas entradas a la James Brown, quando a banda apresenta o cantor com uma levada dançante e rápida de fundo e depois, no final, se despede dele da mesma forma. Já o LP que comprei da Erykah Badu se chama “New amerykah – part 1 (4th world war)”. Ela promete uma trilogia com o mesmo nome. Em vinil, o álbum é duplo. Algumas músicas têm texturas eletrônicas bem sutis e a voz dela preenchendo, outras têm apelo mais dançante. Deixarei aqui o clipe de “Honey”, um sonzaço com uma batida hip hop deliciosa, bem marcada. Reparem que ela aparece cantando na capa de vários discos clássicos da música negra ou da música pop. São 13 capas de vinis e uma revista, com capa também clássica. Veja aqui a relação destes álbuns. Eu só consegui acertar 4 LPs antes de ver esse site dando a letra. Fiquei muito satisfeito com a compra.


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Canção de ninar

(Domingo boêmio na cidade pequena)

1.

Despertei do cochilo com os cutucões de Angélica, com sua voz e com o sol ardido que acabara de nascer. Ali, no banco de plástico da rodoviária, percebi que eu havia perdido o ônibus para voltar para casa. Naquele horário, já estaria no meu bairro.

Angélica falava muito, mas eu não entendia nada. Supondo que eram perguntas como “o que está fazendo aqui a essa hora?” saí respondendo frases cheias de palavrões e de irritação matinal. Ela estava levemente alcoolizada e suas risadas foram me acalmando. Eu devo ter feito um papel cômico acordando irritado e transtornado. Quando comecei a ouvi-la, percebi que insistia e insistia:

- Não volte. Não gaste mais dinheiro. Venha com a gente. O hotel tem apartamentos livres – disse de forma firme e convincente.

2.

Trabalhávamos juntos. Eu estava na equipe de Angélica há 15 dias. Nosso turno era das 8 da noite às 4 da manhã em eventos pelo interior de São Paulo. Escolhi este horário para me adaptar à falta de controle sobre meu sono. Eu não combati o problema: me aliei à insônia ao trabalhar na madrugada. Voltava para casa, ao invés de me hospedar na cidade, para ficar mais cansado e conseguir adormecer. Eu não queria folga no trabalho para não ter intimidade com meu apartamento. Ele trazia lembranças que me consumiam. A diária do hotel sobrava no meu bolso e essa economia me tiraria daquele lar cheio de fantasmas noturnos.


3.

Angélica me encontrou porque fazia seu happy hour perto da rodoviária. “Ora, se um executivo toma seu drinque ao entardecer, por que eu não posso fazê-lo ao amanhecer?” disse rindo e olhando para seus dois cúmplices, também da equipe, que a acompanhavam. Divertiu-se mais ainda com os dois quando lembrou de outro argumento para ir bebericar antes de dormir: a espera diária do trem barulhento da madrugada partir. “Ele apita, freia, engata vagões, os funcionários gritam, mas às 6 e meia da manhã já estamos bêbados e o silêncio reina novamente”. Ela ficou curiosa em saber por que eu voltava todos os dias para casa. Menti que queria guardar dinheiro para viajar. A mentira foi tão boa que a levei a sério.

Subindo as escadas de madeira, ela alertou o recepcionista que não me deixasse sentar enquanto preenchia meu cadastro, pois eu teria mais um ataque de sono. Os três riram muito alto, mas logo abafaram o riso com as mãos para não acordar os hóspedes. Nem eu e nem o recepcionista de mau hálito conseguimos rir.


4.

O hotel era antigo, de alta rotatividade e ao lado da estação ferroviária desativada para transporte público. Não lembro o seu nome. Talvez porque o néon piscasse e falhasse em algumas letras. Só lembrava do nome “viajante” escrito. Tinha cheiro de mofo e pano sujo molhado por todos os corredores. O hotel não recebia o sol por nenhum lado. Uma ponte que atravessava a linha férrea e um prédio abandonado tampavam toda a claridade.

5.

Adormeci sem nenhuma dificuldade. Quase 9 horas depois acordei sem lembrar de nenhum sonho. Foi um sono de qualidade. O hotel era bem menos confortável que meu quarto e, mesmo assim, foi o melhor sono em 3 meses. Ficou claro que o meu apartamento tinha influência direta sobre as noites mal dormidas.

Fiquei enrolando na cama e pensando nessa diferença. Nem sequer notei que dormi com a roupa que cheguei um dia antes. Vi um papel entrar por baixo da porta. Era um bilhete de Angélica. Oferecia roupas emprestadas, oferecia companhia para uma refeição e oferecia uma surpresa que só revelaria pessoalmente.


6.

Eu morava sozinho – ou quase - bem perto do centro de São Paulo. Durante um ano, tive a companhia de Mônica de sexta à noite até segunda pela manhã. Não era um namoro, era um romance. Não fazíamos planos, não queríamos casar, não discutíamos nossos sentimentos. Apenas vivíamos misturados e cheios de paixão.

Pressentia que, um dia, talvez, ela mudasse de vez para lá. E nunca desconfiei que resolvesse morar tão longe. “Quero ser artista”, disse enrolada numa toalha ao sair do banheiro. Nós dois percebemos que aquele banho a transformara. “Você é uma artista”, eu sempre repetia, mas afirmou, ainda nua, que não daria mais aulas e iria tentar a sorte em Londres. Achei a idéia esplêndida. Era o que faltava para ela. Novos horizontes, chances reais numa capital civilizada. Passamos os dias organizando, sonhando, planejando e divagando. Seus olhos brilhavam. Ficou muito linda o fim de semana inteiro.

Um mês após seu embarque a novidade ainda me enchia de orgulho. No segundo mês, a síndrome de abstinência bateu. Eu não dormia mais. Tudo o que eu comia, voltava. Cada maçaneta, cada pedaço de rodapé, cada capa de livro tinha a sua presença. Era impossível ficar naquele apartamento sem o fantasma de Mônica por perto.

Arrumei mais um emprego. Saía às 6 da manhã e chegava meia noite e meia para fugir dos pedaços de Mônica pela casa. Mas eu não conseguia dormir. Comecei a voltar mais tarde ainda após zanzar por alguns bares. Alcoolizado, sofria muito de saudade. Não quis encarnar o clichê “homem-abandonado-bêbado-balcão-jazz-vômito-pizza“ e decidi largar os empregos diurnos e trabalhar na madrugada.


7.

Com o bilhete de Angélica na mão encontrei-os numa lanchonete próxima ao hotel. Era uma reunião de pauta misturada com desjejum. Quando me viu, Angélica levantou os braços como quem diz “demorou, hein?”. Sinalizou algo ao garçom enquanto todos me cumprimentavam e pouco depois de sentar uma omelete consistente chegou à minha frente. “Coma!”, Angélica ordenou. Mulher experiente. Sabia que eu só funcionaria com ordens, sabia que eu necessitava de uma babá.

Distribuiu mais ordens aos funcionários da equipe, até que pediu uma cerveja e olhou para mim. “Você não vai fazer nada! Está de folga hoje”, disse para me surpreender. Tentei argumentar qualquer coisa e me surpreendeu novamente dizendo “vai me acompanhar numa expedição boêmia pela cidade”. Aquela babá desarrumava a rotina que eu havia imposto para os meus dias tristes.

Foram todos trabalhar, um a um, ficamos eu e ela. Pouco tempo depois perambulávamos pelas ruas da pequena cidade. Um domingo livre na cidade do interior. As pessoas saem para passear, colocam suas melhores roupas, as crianças estão felizes, os adultos sentem a brisa quente no rosto. Adorei o passeio. Angélica não parava de falar. Duas horas inteiras de exemplos, recordações de vida, ditados, pensamentos. Disse que precisava de boas idéias e trabalhar naquele domingo a sufocaria. O ideal era “bundar por aí”. Em alguns momentos, ela falava de algo muito parecido com que eu vivia naqueles meses de saudade. Me empolgava em lhe contar tudo, mas ela me cortava, me atropelava com outro pensamento. Mesmo quando fazia perguntas não me dava chance de respondê-las. Pingamos de bar em bar, de barraca em barraca, rindo e falando sério ao mesmo tempo. A mulher era um furacão.

Deixou-me na porta do meu quarto e ordenou que me arrumasse – com as roupas emprestadas - para sairmos às 10 da noite.


8.

Mônica e Angélica eram opostas. Era evidente o quanto uma era objetiva e a outra subjetiva. Passavam-se semanas sem que Mônica opinasse em algumas situações; já Angélica não engolia opinião sequer sobre um espirro meu.

Com Mônica eu era meio chefão: a casa era minha, eu ganhava mais e sua indisposição para discutir ou defender algo me tornava o último a julgar. Ao contrário, Angélica me encontrou fraco, triste, insone e alienado. Os papéis se inverteram e ela adora me ver obedecer.

Passear com Mônica era poema em prosa com um sorriso tímido; passear com Angélica era filosofia política pesada com sorrisos sarcásticos. Nunca recebi uma ordem de Mônica; nunca sequer levantei minha voz para Angélica.


9.

Invadiu meu quarto no hotel tão ansiosa que entendi o nosso atraso. Saímos correndo de lá e encontramos o “cumpadi” num Maverick antigo, meio bege. Angélica falou o nome dele, mas não ouvi. O barulho do motor era mais alto dentro do carro do que fora e aumentou mais ainda quando seguimos por uma estrada.

Os dois conversavam, mas eu não escutava. Perguntei, quando se calaram, se íamos para outra cidade. Eles não ouviram, ou melhor, o “cumpadi” talvez sim. Fez um gesto para Angélica que eu, ao tentar ler os seus lábios, entendi como “o que essa bicha tá reclamando?” e ela devolveu gestos de mãos levantadas denotando saco cheio de nós dois.

O carro entrou numa via de terra que devia levar a alguma plantação. A lua não estava cheia, mas iluminava bem a noite e a pequena estrada. Carro desligado e um alívio enorme nos ouvidos. Os dois desceram rapidamente e acenderam um baseado. Angélica reclamou com voz de quem segura a fumaça no pulmão:

- Cada coisa que eu tenho que agüentar para fumar uma erva!

- Tu reclama de barriga cheia, filhinha de papai. Te trago num clima natural, cheiro de mato e tu dá uma de mal agradecida? Num te falei que só posso circular na cidade até às 10 da noite senão os cana me enquadra?

Eu chapei muito rápido. Os dois ficaram se estranhando e fumando por mais uns quinze minutos. Parecia natural para eles esse tipo de atitude numa conversa. A lua mandava alguns recados para mim, mas eu não entendia completamente. Amarelona, enorme, me deixava todo derretido. Talvez tenha me protegido daqueles dois. Me deixava menos vulnerável às gírias forçadas, ao barulho do automóvel, aos excessos vulgares, à violência nos modos.

Já na volta e similar a uma cena do filme Drugstore cowboy (de Gus Van Sant), o “cumpadi” saiu da estrada e entrou, sem brecar, no estacionamento do posto de beira de estrada. Derrubou vasos, assustou todos os clientes e fez aquele Maverick barulhento ficar muito esfumaçado quando, finalmente, conseguiu parar bem perto dos vidros da loja. Ele nem se importou com toda a balbúrdia, soltou um arroto e desceu rindo. Angélica bufou de aborrecimento. Eu passei a mão na testa para ver se sangrava. Dez minutos depois ele continuava a falar sem parar com a mesma atendente. Também era “cumpadi” dela, ou seja, fornecedor. Mais nova que Angélica, ela se insinuava bastante para ele. Foi a primeira vez que vi Angélica quieta por tanto tempo. Ciúme. Eu senti ciúme do ciúme dela. “Vamos embora!”, disse puxando–a pela mão.

Andamos pouco tempo pela estrada e logo passou um coletivo. Aceitou nosso chamado fora do ponto e parou. Corremos e subimos esbaforidos. Nada confortável, no nosso estado entorpecido, dar de cara com famílias voltando da missa de domingo naquele ônibus. Fomos alvo de atenção de todos por ali. Quando o ônibus saiu da estrada, com as ruas então iluminadas, avistamos um boteco qualquer e descemos para fugir dos olhares.

Era um bar de universitários. Moradores de repúblicas. Por ser na periferia, alguns bebuns pintavam por lá também e o ambiente era simples. Bem barulhento, bem cheio e ficaríamos bem anônimos. Demos conta de beber muito, falar muita besteira e ir repetidas vezes no banheiro imundo. Logo na saída do banheiro, descobri a alegria e o barulho dessa moçada: um videokê estridêntico. O casal cantava algum sucesso do carnaval baiano e me puxou para pular com eles. Meus reflexos, depois de uma hora e tanto bebendo, não reagiram para me desvencilhar e pulei junto com eles. Quando perceberam que não me conheciam, me soltaram rindo mais ainda. Eu só voltei para o meu ponto de origem: a mesa engordurada e cheia de cinza de cigarros.

Angélica embriagada se tornou mais receptiva e me interrompia menos. Seus reflexos estavam comprometidos e eu conseguia falar mais do que de costume. Consegui dizer que meu problema de voltar para casa era o sono, o apartamento, mas não consegui citar Mônica na conversa. Logo que acabei de situá-la no meu dia a dia com insônia, ela levantou e cantou no videokê, agora já vazio, uma música muito bonita chamada “Paulista”. Angélica olhava para mim enquanto cantava. Fiquei derretido e imaginei que ela sabia de tudo o que havia ocorrido com Mônica mesmo sem eu ter contado. Ela soube que me afetou e não lembro o que dizia até chegarmos no hotel, mas sei que suas expressões e sua voz eram mais complacentes. Andamos bastante até chegarmos ao hotel. Estávamos bem longe. Ela gritava bem alto em alguns momentos “táxi!!”, mas só aparecia a viatura da polícia pedindo silêncio.


10.

A música que me deixou derretido:


Paulista
Com Vânia Bastos
(Eduardo Gudin e J. C. Costa Netto)

Na Paulista
Os faróis já vão abrir
E um milhão de estrelas
Prontas pra invadir os jardins
Onde a gente aqueceu numa paixão
Manhãs frias de abril

Se a avenida
Exilou seus casarões
Quem reconstruiria nossas ilusões?
Me lembrei de contar pra você
Nessa canção
Que o amor conseguiu

Você sabe quantas noites eu te procurei?
Nessas ruas onde andei?
Conta, onde passeia hoje esse seu olhar?
Quantas fronteiras ele já cruzou?
No mundo inteiro de uma só cidade

Se os seus sonhos emigraram sem deixar
Nem pedra sobre pedra
Pra poder lembrar
Dou razão
É difícil hospedar no coração
Sentimentos assim

11.

Como excelente babá, Angélica me deu outra lição, entre tantas, para que eu dormisse em paz todas as próximas noites. Uma simples música, que serviria para ninar, chamada “Acabou chorare” dos Novos Baianos. A cada audição, os pedaços de Mônica pela casa e pelo meu coração foram sumindo. O sono voltou ao normal. Mulher experiente essa Angélica.


segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tarde laranja



Numa circunstância que nunca passaria pela minha cabeça, uma categoria de trabalhadores fez greve e afetou a rotina da minha profissão me impedindo de trabalhar. Fiquei livre. Terça feira bonita de sol, apesar do friozinho de outono. Comecei a organizar meu ócio com um check-list de afazeres de vagabundo. Não podia vagabundear sem uma pauta. Saí atrás de um apoio para fazer os apontamentos do que seria o meu dia e encontrei um botecão sujo e encardido, com balcão de fórmica laranja e azul, bem típico mesmo. Até o café que eu pedi insistia em ser encardido. Um aviso alertava que só serviam álcool depois das 10 da manhã. “Favor não insistir”. Quem pensaria nisso? Mas percebi que havia fregueses e mais fregueses sem consumir nada por ali. Impacientes, com barba por fazer e olhando o relógio.

Check list revisado, saí do bar e topei direto com uma feira livre. Perfeito. Peguei uma pêra para fazer charme. Curtindo música de desocupado nos fones de ouvidos, dei de cara com um sebo enorme. Sebo é um bom nome nesse caso. Nada estava limpo e tudo grudava. Vendia todo tipo de tranqueira, mas a minha preferência era pelos discos de vinil. Uma senhora, quase sem voz de tanto fumar, disse pigarreando que eles ficavam “escondidos” no porão. Eu mesmo acendi as luzes, eu mesmo limpei alguns discos lá embaixo. Eram muitos. Fiquei ali naquele local insalubre por duas horas. Pó, calor, umidade e escuridão para me acompanhar nas escolhas. Saí de lá com 9 discos, com dedos sujos, com espirros e tosses.

Fui embora a pé para casa. Gosto de andar, mas quando não tenho horário para chegar ao meu destino curto mais ainda. Observei as pessoas, aproveitei as ruas do meu bairro, percebi o comércio aberto, tudo isso num horário que dificilmente estaria livre para flanar desse jeito. Em alguns finais de tarde, consigo andar a pé. Em algumas madrugadas, também. Aliás, andar pela madrugada é delicioso. O ritmo boêmio me força a pegar o último metrô com certa regularidade, e ando pelo bairro por volta de uma hora da manhã. As ruas ficam lindas, principalmente no frio, porque ficam vazias e a iluminação consegue deixar o sereno nítido. O vento frio no rosto me deixa muito inspirado e renovado. Meus pensamentos vão longe, muito longe.

No mundo dos negócios, dia útil engloba o horário comercial de segunda a sexta. Eu transformei aquela terça ensolarada em dia fútil. Uso esta expressão sem nenhuma conotação pejorativa, e sim para provocar os workaholics com o significado leviano da palavra. Adoro o ócio criativo, adoro a culinária slow food, adoro bundar por aí. Se eu não estiver carregado com esse tipo de vibração, não consigo trabalhar direito.

Me esforcei para lembrar de todas as coisas que desejo fazer enquanto estou no ambiente de trabalho e não posso. E logo que cheguei do passeio da manhã pelo bairro, coloquei em prática as futilidades tão desejadas em outros dias de escravidão. Comecei com um banho demorado na banheira, lendo Baudelaire. Emendei com dois episódios do seriado “Sex and the city” (quer algo mais fútil?) e andei nu pela casa. Enchi o mp3 com músicas que combinariam com vagabundagem para poder sair de ouvidos e cabeça feitas

Quando veio a fome, lembrei de outro desejo reprimido a ser realizado. Almocei num restaurante indiano que adoro: Gopala Prasada. Comida lacto-vegetariana de primeira qualidade e, o melhor, condimentada. Fica numa travessa da Augusta. No almoço a refeição é só condimentada, mas à noite é hot hot hot. Adoro pimentas como já divulguei neste blog. Queria muito ser vizinho ou trabalhar perto deste restaurante.

Flanei pela Paulista inteira e desci a pé até à Liberdade, bairro que tenho freqüentado bastante. Estou enamorado pela Liberdade. A luz estava boa e fotografei muitos grafites de lá. Veja as fotos aqui no meu Flickr. Só consegui me concentrar para estas fotos com músicas do “Queens of stone age” muito altas no ouvido. O bairro é muito cheio para sair clicando sem atrapalhar alguém. Com um pouco de paciência e insistência, até que consegui.

O final de tarde veio laranja, como nessa foto. Eu já estava de volta ao meu bairro. A luz me deixou enternecido. Iluminou todas as ruas com esse tom. Parei num lugar alto para esse clique. Me esquentou e descongelou alguns temas e idéias de escrita. Cheguei em casa lotado de boas vibrações e com um filtro laranja nos olhos. Pronto para a noite. As noites, pelo menos para mim, nunca precisam de ocasiões ou circunstâncias especiais para se tornarem divertidas. Só de escurecer, de passar do azul claro para o azul escuro, o cheiro que essa mudança traz, já me deixa cheio de vida. Bebel Gilberto canta assim: “Até o anoitecer chegar, e nos envolver, passando do azul pro azul escuro. Até o rosa iluminar você, aqui distante eu vou chorar, por nós dois” (“Cada beijo” de 2004).


domingo, 8 de junho de 2008

A Virada


A 4 ª Virada Cultural (2008) ocorreu nos dias 26 e 27 de abril. Exatas 24 horas de programação cultural intensa pela cidade, das 6 da tarde do sábado às 6 da tarde do domingo. Final de semana lindo, com muito sol. A cidade se transformou, estava irreconhecível. Ótimas vibrações no ar. Eu sei que já faz tempo, mas esse também era um tema congelado, conforme o post "a volta".

Só não lembro de ter ido na primeira virada, mas nas outras eu conferi alguma coisa. Em 2006 fomos à Pça. Roosevelt no Mercado Mundo Mix ver umas discotecagens ao ar livre e descemos para o Cine Olido para ver um clássico dos Trash Movies chamado “Vampyros Lesbos” com sessão esgotadíssima. Conseguimos um ingresso por muita sorte. Simplesmente uma mulher passou por nós e falou “vocês querem ingressos?”. O meu rabo estava apontado para a lua. A sessão começava à meia noite.

Em 2007 só fomos na discotecagem de Dub da trupe do “Dubversão”. É uma discotecagem de rua, com caixas de som que formam uma muralha e ninguém consegue ficar sem vontade de balançar os quadris. Você sente as batidas do baixo no ventre. O dub é jamaicano, surgiu nos anos 60 e normalmente é uma versão remixada de algum reggae, só que com efeitos psicodélicos (efeitos de delay e reverb), sempre dando ênfase ao baixo e bateria. Graves poderosos, poucos vocais e um suingue de arrepiar. Toda sexta o pessoal do dub faz uma festa chamada “Java” no Clube Hole na rua Augusta. Vale conferir. Muito alto astral e boas vibrações.

Nesse ano, a discotecagem do “Dubversão” foi adiada em cima da hora e mudei alguns planos para a noite de sábado. Nesse ano me preparei para ir a muitos eventos independentes e fugir dos principais. Alguns reclamam dos lugares muito cheios na virada, mas mesmo assim vão aos maiores shows. Vão encontrar muita gente mesmo e o desconforto é nítido.

Na Virada, gosto de ver a cidade agitada e cheia de gente que, normalmente, não passaria naqueles buracos do centro. Eu sempre adorei a região e nunca tive medo de lá, então vê-lo alegre e movimentado em pleno fim de semana é sonhar acordado. Assistir música no meio daqueles prédios antigos é muito bom. É como um cenário pronto.

Muito bom também é encontrar os amigos. Você vai andando de um palco para o outro e todos vão surgindo, brotando pelos calçadões. Dá a impressão que ninguém ficou em casa. Se bem que também conheço gente que não foi. Os motivos para tal são péssimos. Programação para todos os gostos tinha. Mas tem gente que só gosta de shopping, precisa de uma redoma para passear, não consegue conviver com muita gente por perto sem ter seguranças de preto com rádio comunicadores. O centro da cidade parece uma selva para eles.

Comecei por assistir o Mundo Livre S/A no Pátio do Colégio no chamado “Palco Festivais Independentes”. Foi o 1° show deles que não gostei, e olha que já assisti muitos. As guitarras estavam mais altas que os outros instrumentos e parecia heavy metal. Emendei no “Palco Pista das Casas (Noite viva)”, na Rua Quintino Bocaiúva, lugar que os melhores clubes de São Paulo colocaram Djs e músicos (juntos ou não) para uma discotecagem de rua. Cada casa tinha mais ou menos uma hora de apresentação. Vi o trombonista Bocato tocando com um Dj representar o “Grazie a dio” da Vila Madalena. Bem dançante a mistura dos dois. Depois o xilofone de Guga Stroeter (da banda Heartbreakers), um pianista, uma cantora de voz linda e um Dj com uma batida trip hop (ou downtempo para outros) cheio de jazz e música brasileira. Uma delícia. Representavam o “Geni” casa de jazz eletrônico da rua Bela Cintra. Os prédios do centro lindos e iluminados faziam um cenário romântico para a apresentação. E, antes de ir embora, o “Studio SP”, casa que acabou de se mudar da Vila Madalena para a rua Augusta, trouxe o Dj Daniel Ganjaman, do coletivo Instituto, para tocar umas pedradas jamaicanas modernas. Estilos como raggamuffin, dancehall, dub, deixou todo mundo pulando e sorrindo. Para encontrar mais amigos e ver a cidade pegando fogo fomos para o bar do Estadão bater uma xepa e nos recolhermos para o domingo que continuava virado.

Café da manhã com Cachorro Grande na Praça da República no “Palco Rock República”. Estava ótimo, apesar de fugir de grandes shows da virada. Parecia um festival de rock. Som alto, gente deitada no chão, chapada, bêbada, ou dançando, pulando e alguns simplesmente assistindo e cantando. Terminaram o show com “My genereation” do The Who. Fomos tomar umas e outras num bar gay da avenida Vieira de Carvalho chamado Café Vermont antes de decidir qual o próximo palco. Lá, eu sempre experimentava drinques clássicos feitos por um bartender muito bom. Juntávamos uma turma e bebíamos Dry Martini, Gin Fizz, Bloody Mary e Cosmopolitan. Mas não sobrou ninguém daquela época para atender e uma simples fatia de limão para colocar na garrafa da cerveja Sol mexicana foi um martírio. O rapaz da cozinha não teve brinquedos pedagógicos quando criança e nunca cortava a fatia no tamanho certo do gargalo.

Já era certeza que terminaríamos a Virada por onde começamos. Mas antes de voltar para o palco dos independentes, passamos pelo “Palco São João”, o local mais popular e cheio da virada, para tentar assistir a “Qrquestra Imperial”. Foi difícil. Já com o rabo cheio de cerveja, tínhamos que usar os banheiros químicos. Química era a reação que eu tinha quando entrava em algum deles. Só entrava em algum deles quando estava muito apertado e, num desses desesperos, encarei no mesmo espaço, vômito para todos os lados, fezes boiando e urina no chão. Tive de me concentrar em algo que não me fizesse vomitar. Só fiquei pensando em coisas azuis. É estranho, mas o azul em acalmou e não sujei mais ainda o vaso. O maior assédio de gente chata, mendigos e nóias também aconteceram nesse palco. Comprovado que locais com os maiores shows são péssimos.

Aliás, a Virada cada vez melhora mais, seja em números de atrações e qualidade da aparelhagem à disposição dos artistas, mas também na infra estrutura. Somente os banheiros químicos arranharam a festa.

Almocinho num boteco qualquer da Praça da Sé e já chegamos com os “Superguidis” no palco. Rock vigoroso e divertido do Rio Grande do Sul. Mais amigos por ali e a turma ficou maior. No show do “MQN” (foto) a diversão ficou maior. Guerra de cerveja do palco para a platéia e vice versa. Amplificador queimado logo no começo do show provava a barulheira que estava por vir. Delícia. Eles fazem o que se classifica como “stoner rock”, ou “rock chapado”. Guitarras pesadas mas sem serem nerds ou crianças tocando heavy metal. As letras falam de drogas, álcool ou carros em alta velocidade por estradas escuras.

Para encerrar, “Siba e Fuloresta” (com “u” mesmo) com muito maracatu e ritmos pernambucanos. Siba era vocalista da banda Mestre Ambrósio. Festa total em frente ao Páteo do Colégio. Já tinha anoitecido e não se via ninguém parado. Parecia carnaval em Olinda. Maravilha! Fui para casa feliz e inpsirado.

domingo, 1 de junho de 2008

Bonecas em ação


Yeah!

Eu fui ao show do New York Dolls aqui em São Paulo. Dia 10 de abril, uma quinta feira chuvosa e quente, no Hangar 110. Sei que faz tempo, mas para quem leu o post anterior, sabe que vários assuntos estavam congelados.

Assisti-los foi uma maneira de rechear meu currículo musical, uma maneira de sofisticá-lo, pois cumpri uma exigência própria de assistir as bandas que eu considero o tripé ou a base de inspiração do rock que é produzido hoje, mas que foi feito lá nos anos 70: Iggy Pop & The Stooges, MC5 e New York Dolls. Quando comecei a ouvir esses grupos, nunca imaginei que conseguiria assisti-los. Já adquiri repertório para contar aos netos.

O dia do show foi confuso. Como sempre, deixei para comprar o ingresso na última hora, mais precisamente no último minuto. Perdi a oportunidade de pagar meia (estudante) e quase perco um desconto de 20 mangos que era oferecido em algumas lojas em relação à porta do clube.

Pelo telefone a atendente da loja de discos London Calling foi irredutível e disse que não esperaria um minuto após às 18 e 30 e fecharia a loja. Fiquei com receio de não conseguir chegar a tempo. Estava todo cheio de agulhas de acupuntura e ligando para o amigo que também iria ao show para combinarmos um jeito de comprar. Ele foi na frente. O japinha da acupuntura nunca atrasou, mas naquele dia...percebendo minha ansiedade e pressa, me disse:

-Vou usar uns pontos novos pra te deixar calminho.

Colocou uma agulha em cada ponta do bigode.

Saí correndo para pegar a loja aberta. Meu amigo já estava lá enfrentando a irredutível atendente que não aceitava cartão de débito para compra de ingressos. Só faltava 10 mangos pra ele comprar as duas entradas, mas ela queria mesmo desafinar o coro dos contentes. Eu fiquei imaginando que aquela moça detestava o New York Dolls. Sei lá, talvez algum namorado tenha começado a gostar da banda e começou também a usar camisas de oncinha, pintar a unha de preto e lápis no olho e ela ficou decepcionada, criando um trauma pela banda.

Do metrô até a galeria corri muito na chuva para conseguir pegá-la aberta. Cheguei lá esbaforido, molhado, com semente de mostarda na orelha e sentindo a picada da agulhinha no bigode. Ela me perguntou se estava chovendo. Fiz cara de poucos amigos e disse “não”.

A moça da loja ainda deixou péssimas vibrações no ingresso. Passei em casa antes do show e...adivinhem: na porta do Hangar 110 percebo que deixei o convite em casa. Péssimo. Sorte que não moro longe de lá e estávamos de carro. Que vergonha.

Perdemos a banda de abertura(Forgotten Boys). Lá dentro do Hangar 110 estava quente, muito quente, cheio de trintões e quarentões, quase não tinha moleque. Os que haviam estavam bêbados. Donos de lojas de discos da galeria do rock, vocalistas de bandas punk dos anos 80, muita gente já sem cabelo, assim era a fauna. Lotado. Todos espremidos. Para pegar uma bebida era uma aventura. Depois da primeira vez, já fiquei perto do bar mesmo.

O clima ficou mais festivo ainda quando entraram no palco e abriram com “Babylon”. O famoso arrepio na coluna bateu, esqueci da lambisgóia da loja de discos e lembrei da farra que é ouvir New York Dolls muito alto para atazanar os vizinhos. Ninguém se diverte sussurrando. David Johansen, o vocalista (um dos dois únicos sobreviventes da formação original) entrou com um figurino típico: calça apertada, camiseta baby look mostrando a barriga e lenços. Sua aparência hoje é uma mistura de Serguei com Mick Jagger doente. Mas a voz é a mesma desde os álbuns nos anos 70. Rock pra mim é diversão e eles prometiam fazer todo mundo pular e esquecer da vida.

Eu fiquei em transe. Pulava, dançava, cantava junto, urrava e bebia. O cheiro de cannabis já estava no ar e pouco depois eu já sentia o efeito dela em mim. Eu estava tão feliz que às vezes ia fumar um cigarro sozinho no bar olhando pra cima e cantando, rindo à toa. Voltava e uma pedrada após a outra. Que show! Lembro muito bem de alguns momentos, estrategicamente espalhados pela apresentação que me deixaram maluco: as músicas "Frankenstein', 'Looking For A Kiss", "Trash" e " Personality Crisis", além de uma cover da Janis Joplin ("Piece of my heart"). Aqeuilo pegou fogo mesmo com "Trash". Saí de lá como deveria: suado, surdo, exausto, feliz e chapado.

Os caras influenciaram meio mundo e vestidos de mulher. Quer mais diversão e esculacho do que isso lá anos 70? Coloco um clipe deles aqui de “Looking for a kiss” numa apresentação de 1973 e mostrado em algum programa anos depois. Tem uma narração no começo, algumas opiniões de músicos em forma de legenda e o final está cortado, mas vale assistir. Fiquei uma semana com essa música na cabeça. Ainda bem.