quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Ensaio sobre a Quarta


Agora sim a semana começa!

Já é o terceiro dia útil, mas com uma sensação que os dois primeiros não existiram, ou não se fizeram notar. Essa lacuna na lembrança é efeito da medicação de choque da Segunda e da letargia da Terça. Mas hoje, não. Completamente abstêmios, tornam-se preparados para trabalhar com afinco, para enfrentar adversidades, combater a preguiça e se tornarem pessoas melhores. O dia convida.

Ele, espertamente, fica no meio da semana e se torna simpático, um verdadeiro diplomata. Figura carismática e envolvente, como um vereador, reverendo ou pastor, a Quarta Feira promete um futuro melhor, mas deixa claro que é preciso ação. É daí que surge essa “servidão voluntária”, essa noção que é preciso colocar a mão na massa para que o fim de semana chegue logo. Assim, quita-se os pecados de segunda e terça, e o passaporte da alegria da Sexta está garantido.

Logo cedo, o sol pela janela e não uma nebulosidade; um despertar, e não uma ressaca. A Quarta Feira vem trazer a luz e o brilho, assim como tirar o mofo e o encardido. Pois, nela, acorda-se purificado, limpo e descansado das mazelas anteriores. Uma toalha branca, perfumada, pronta pra enlaçar com segurança e conforto quem acredita na potência desse dia. Num tom messiânico, a Quarta profetiza: “Ela voltará! A Sexta Feira está próxima...mais próxima do que se imagina!”

Mas, calma, calma. Os ateus e agnósticos não precisam estranhar. A quarta não é um dia religioso e o texto não quer ser ecumênico. É que quando se trata de cair na real, de se tornar responsável, a culpa cristã toma conta da jogada. Aí o tom religioso vira marketing, atrai audiência. Isca fácil para os culpados desavisados e um bom mote para entreter quem lê agora esses parágrafos perdidos no ciberespaço.

Então, Herr Kapitän, naveguemos no lado materialista da força. Afinal, não podemos esquecer que o messianismo não é exclusividade dos religiosos. Líderes políticos são (principalmente os de esquerda) e oficiais das Forças Armadas também são. É preciso que a militância e os soldados defendam a causa. O mundo corporativo utiliza o tom levanta-moral cotidianamente. Observe uma equipe de vendedores e perceba ali uma "causa". 

Nem tudo na quarta é só devoção, esforço e consciência. A diversão também é garantida. No almoço se come feijoada em São Paulo como prato do dia; à noite as clássicas partidas de futebol da rodada animam torcidas barulhentas; no emprego careta, a turminha mais descolada e/ou alcoólatra embala o primeiro happy hour; em algumas galerias de arte é dia de vernissage; e pode ter certeza que festinhas na Quarta Feira não deixam ninguém decepcionado. Alguns anos atrás, antes das carteirinhas de estudantes terem força e falsificação facilitada, a Quarta era o dia da semana que se pagava meia-entrada. Ave Cine Belas Artes! 

A Quarta feira de Cinzas é a mais famosa no ano. É o dia que se reverencia o astro Mercúrio, daí em espanhol chamá-la Miércoles e na língua italiana, mercoledì. Em inglês diz-se wednesday, dia de Woden e em sueco onsdag, dia de Odin. No catolicismo, a quarta-feira é o dia para se rezar pelos acometidos por enfermidades.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Ensaio sobre a Terça

Ele coça a cabeça bem perto da nuca e pergunta para quem estiver ao lado: “Qual o dia da semana hoje?”. A resposta demora e a impressão é que o interlocutor não ouviu. Mas logo vem um som de trem passando pela estação sem parar: “Terça! Terça!”.

A terça feira é um dia artificial, feito plástico. Um dia-bolha. Ele não existe. Da mesma forma que a ciência formula hipóteses, a imaginação o cria para servir como uma ponte entre o susto da segunda e o despertar da quarta feira. Um dia protocolo. Ele passa e ninguém sente falta. Compromissos e compromissos e todos se parecem com robôs a obedecer ordens em combinações de zero e um.

Letárgico, como o efeito colateral de alguns remédios, o dia passa arrastado. É o medicamento da véspera agindo. O peso da segunda feira só se aguenta com um sossega leão e a reação adversa é a apatia. Contra indicado para aqueles que querem tudo. Nem triste, nem alegre. Nem ágil, nem molenga. Nem cheio, nem vazio. Nem sim, nem não.

No entanto, é eficiente. O que pode parecer indiferença para alguns pode ser concentração para outros. Um estado de espírito que não aparenta ter objetivo, mas tem. Aos desavisados e aqueles que não sabem o que vieram fazer neste mundo, a terça só “passa”. Mas para quem está acostumado com o ritmo e o papel da meditação, o dia é perfeito. Mente vazia para a conexão que realmente vale a pena.

Talvez o dia mais indicado para se drogar. Nenhum filtro, nenhuma ansiedade, nenhuma predisposição equivocada. O “barato” puro e tranqüilo. Como quem dorme bem e acorda descansado e disposto. Na medida.

Justamente pela falta de excessos, o dia é charmoso. Não há soberba, exacerbação ou gula. Ele se guia pelo simples e necessário e se torna elegante. Está mais para Chanel do que para o Rococó. Não há espaço para a criatividade genial, mas nem por isso só a inércia toma conta. 

A Terça Feira é o dia dedicado ao planeta Marte, tanto que em espanhol se diz “martes”, e em italiano “martedi”. E se algum alemão lhe perguntar que dia é hoje, solte um “dienstag”.