domingo, 9 de março de 2008

Lambe fogo 2


Descobri o sabor da pimenta na porta das missas. Na igreja Matriz de São Bernardo do Campo, aos domingos, um vendedor de pipoca mantinha um recipiente plástico enorme e vermelho, meio encardido também. Aquele molho picante transformava a pipoca e a minha boca. Me fazia ir à missa de domingo sem arrependimento ou preguiça. Era a época da primeira comunhão. A novidade não era a paixão de Cristo, e sim pegar ônibus com a turma e se virar sem os pais pelo centro da cidade. Nunca me importei com religião, mas a preparação toda para começar a comungar parecia mais séria que de outros amigos. Lembro que numa ocasião, numa das últimas aulas, o padre usou pão e vinho mesmo para representar a hóstia. Ele era boa praça. Tanto que num domingo, quem ocupou o espaço do sermão foi o Lula, então presidente do sindicato dos metalúrgicos. Era 1978. Aquela igreja era palco de manifestações, passeatas e muita bomba de gás lacrimogêneo.

Voltando à vaca fria, a pimenta entrava no meu paladar somente nas ruas. Pastelarias, trailers de lanches e bancas de camelôs. Em casa, não lembro. Quando comecei a cozinhar, aí sim. As pimentas em grãos para temperar e a malagueta pra alegrar a língua. Em casa nunca consegui o sabor e efeito de ardência que os botecos alcançam. Minha preocupação em deixá-la com um sabor e não somente forte, deve fazer com que fique fraca.. Outro fator é a ansiedade de consumi-la e não deixá-la curtindo por um bom tempo com recipiente fechado. Cada um tem uma receita e segui muitas delas, mas nunca ficou tão ardida como estava acostumado a comer nas ruas. Óleo, azeite, vinagre, alho, pinga, misturados, separados, batidos no liquidificador, enfim, tentei de tudo. Mas o mais simples, nunca fiz: misturar com óleo de soja, um pouquinho de pinga e deixar fechada por um tempo, aliás, como essa da foto que tirei. Ganhei do companheiro da minha sogra. Eles moram em Caraguatatuba e colhem malagueta na horta. Foi paixão à primeira gota.

Considero o sabor da malagueta muito sofisticado. A gastronomia baiana que usa muita pimenta também é bem sofisticada. Usam gengibre, amendoim, azeite de dendê, peixes nobres, leite de coco e a malagueta pra alegrar, novamente. A malagueta abre meu apetite, deixa as papilas gustativas bem ouriçadas e espertas para o que vem depois. Os sabores ficam muito definidos.

É isso o que acontece quando vou ao “Sujinho” da consolação, no “Bar do Estadão” no centro, na “Mercearia São Pedro” e “Empanadas”, ambos na Vila Madalena e no “Peru´s” no Belém. As malaguetas ficam lá boiando num óleo que queima tudo de tão ardido. Um sabor delicioso e muito soluço, caso exagere. Sempre tive vontade de afanar as pimentas desses lugares.

As últimas descobertas em pimentas pra mim, de uns 10 anos pra cá, são as comidas mexicanas. Ai, ai, ai. Pratos deliciosos, misturas inusitadas e muita pimenta. Em Pinheiros, o “El Mariachi” foi o restaurante que me apresentou a essas delícias apimentadas. Melhor ainda, sempre com 3 Mariachis cantando e tocando. Quando um dos músicos pega o trumpete para fazer um solo , um dos garçons larga a bandeja e toca bongô enquanto ele sola

Ainda não experimentei uma pimenta que é servida inteira, empanada e recheada. Se chama Jalapeño. Quero provar o “Jalapeño Poppers” do clube Belfiore qualquer dia desses, acompanhado de uma Guinness e muito rock. Lá, a linha das comidas é “Tex-Mex” (Texas, México). E quando você pede pimenta, eles trazem o recipiente de Tabasco, que é um molho de pimenta bem gostoso. Um amigo experimentou essa Jalapeño e disse que viu a cobra fumar. É bem forte.

E pra não dizer que não falei de álcool, até um drink leva pimenta. Gosto tanto dele que até aprendi a fazer em casa. Leva vodca, limão, molho inglês, sal, suco de tomate e molho de pimenta. De preferência Tabasco. O drink se chama Bloody Mary. Delicioso.

O nome desse texto e o anterior, foi copiado de uma pimenta que é vendida num restaurante de beira de estrada em Paraibuna. Na Rodovia dos Tamoios, caminho para Caraguatatuba, esse restaurante é especializado em comida caipira feita em fogão a lenha. E vendem essa embalagem de pimenta chamada "Lambe fogo". Não comprei, porque esqueço. Quando almoço lá, esqueço de um monte de coisas, inclusive de levar a pimenta. A comida me deixa em outro estado.

2 comentários:

Deh disse...

Acho lindo pote com pimenta...
mas detesto o sabor.
Talvez nunca tenha provado alguma realmente boa.
Sei lá...

Simplesmente não gosto de nada q me faça ir as lágrimas.^-^

Mas comida mexicana é MUITO bom!

Kisses

Zúnica disse...

Conta meu pai que, certa vez, em viajem pela Venezuela, pararam, ele e uma repórter brasileira que o acompanhava,em uma feira de rua. Fazia muito calor, então correram até uma barraca que vendia melancias. O vendedor estendeu uma fatia generosa para a reporter, que era um tanto quanto adiposa, e não se conteve ao avistar uma imensa bacia de fino pó branco, tão convidativo. Não teve dúvidas, mergulhou a fatia toda, que saiu como um pedaço de algodão-doce, e deu fim à melancia em quatro bocadas. Dez minutos depois chegava a ambulância de sirenes ligadas.

Na Venezuela, come-se melancia com pimenta branca moída. Ninguém avisa os pobres brasileiros ignorantes. A boa e velha hospitalidade andina...