quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nostalgia de domingos gelados

Foto minha tirada em 12/12/2006
Gosto destes dias que pouca gente está na rua. A felicidade coletiva me incomoda. Gente feliz se torna folgada e espaçosa. Adotam uma convicção que todos também estão – ou precisam estar - felizes. E ai de quem não entra no ritmo: vira peixe fora da água, o “estraga prazeres”, o enjoado

Domingo já é um dia que a maioria não sai da toca e, quando faz menos de 10ºC, as ruas ficam lindas. Depois, para mim, a solidão parece inevitável no frio. Numa temperatura desta eu só suporto uma companhia amorosa. O que conversar com um amigo cheio de blusas? O que sugerir para a família assistir toda encolhida? Que piada fazer para o garçom que foge do vento?

Domingo frio como hoje (15/08) me lembra tantos outros. Sentimento forte me toma de assalto quando sinto o vento gelado no rosto e lembranças nítidas com odores e paisagens surgem na minha frente. Saudade boa. Uma volta pelo bairro, na caça de um inofensivo baguete para tomar com chá mate e manteiga, é o suficiente para algumas ruas da cidade, de tantos anos atrás, voltarem à minha memória. A Avenida Brigadeiro Faria Lima, algumas ruas do bairro do Bexiga, a Avenida Angélica. Destes endereços, as imagens nostálgicas são noturnas; o perfume das árvores é intenso, o perfume das flores é inebriante e o perfume das mulheres é clássico. Uma aura sofisticada e elegante toma conta da noite fria.

A mais antiga destas reminiscências é da Avenida Faria Lima, mais especificamente a sala de cinema chamada “Rock Show”, numa galeria perto do Shopping Iguatemi (circa 1983). Como o nome diz, vídeos inéditos de bandas de rock. Eu pegava uma sessão de domingo às 19 horas, após ter almoçado e passado o domingo na casa dos meus avós maternos. Fugia da família e enfrentava a friaca sozinho. Antes e depois das sessões, passeava por ali no Jardim Paulistano e me sentia cosmopolita naquela avenidona larga, sozinho, com pouco menos de 15 anos de idade, céu azul escuro, vento gélido. Poucas quadras ao lado, o Esporte Clube Pinheiros, mais outras quadras, a Marginal Pinheiros e a visão do Jockey Clube. Voltava para casa com a linha de ônibus elétrico (quase jardineira) Belém-Pinheiros.

 
Dez anos mais tarde, a recordação de noite de domingo fria envolve a rua Santo Antônio no bairro do Bexiga. Ali, no bar Amigo Gianotti (ou bar do Magrão ou bar das Fogazzas) era o ponto de encontro com uma moça, um affair, no inverno de 94. O domingo virava cenário para o clima de despedida sempre forte, pois nunca sabíamos o que seria de nós dois no meio da semana. Os planos e promessas da quinta, da sexta e do sábado, eram censurados no passeio a pé pelo Bexiga no domingo. Melancolia que deixava a noite mais bonita. Contraditório ou não, o que me enchia de prazer (o vento frio, a véspera da segunda e o papo de despedida) dificilmente faria outra pessoa feliz. Agarrado com ela, fazíamos o caminho a pé dali do bar até a fronteira da rua Augusta com a rua Martins Fontes. Um táxi nos deixava em alguma esquina.

Nunca soube exatamente onde ela morava, afinal não durou nem o inverno inteiro. Ficávamos namorando e nos despedindo para sempre (ou até a semana que vem) na Avenida Angélica. Parecia uma via fantasma nos domingos gelados. E, dentro de seus apartamentos, os moradores pareciam entoar um mantra para nós fantasmas: "voltem para casa! Amanhã é segunda!". Descia até a estação Marechal Deodoro do metrô e voltava para casa derretido, apesar do frio.

Não somente endereços famosos e centrais de São Paulo me enchem de nostalgia, mas as ruas e avenidas de bairros também. O que se repete nos dois lugares sempre é o amor ou a música.

Finalzinho da década de 80 ficava namorando com a minha mulher na Avenida Oratório enquanto perdia vários ônibus para vir embora. Nos domingos gelados tudo parecia mais consistente: o amor, os planos, os beijos, a lua e a vontade de ficar. Já faz vinte anos, mas parece ontem á noite. Sinto até o perfume do cabelo dela. Hoje, penso e organizo a semana da mesma maneira que naqueles domingos: com ela ao meu lado ou em meu pensamento. Qualquer dia a levarei naquele ponto de ônibus para ver o que o tempo fez conosco.

No que se refere à música, pertinho dos anos 2000, na faculdade de filosofia, conheci uns amigos que tocavam e, por uma série de motivos (casamento, horário, trabalho), eu só conseguia assisti-los aos domingos. Tocavam sempre na Avenida Anhaia Melo. Lembro muito bem do passeio incomum. Saía de casa num horário que os vizinhos estavam chegando do almoço com as famílias e numa temperatura que gostariam mais é que o Faustão e o Silvio Santos os esquentassem na poltrona. Só pensavam na musiquinha do Fantástico e eu no set list psicodélico da banda. Aproveitava como se fosse o último dia da minha vida e voltava de carona na caçamba de uma picape, bêbado e dividindo espaço com as peças da bateria. Vento forte e gelado no meu rosto. Um elixir para agüentar a semana.

And last, but not least, em 2004, existia um projeto bem legal no Avenida Club chamado “Dois em um”. Duas bandas tocavam no domingo à noite por lá. Era o show do Cachorro Grande. Eu levo a diversão a sério e acho o prazer um sentimento nobre. De casa até Pinheiros prestei muita atenção na noite de São Paulo fria e cinza. Ninguém parecia se divertir nas ruas. Apesar de não aparentar, eu aproveitava cada feixe de luz, cada baforada de vento frio. Pela vitrine da FNAC (ao lado do Avenida Club) eu via casais se arrastando pela loja, como num passeio forçado; via clientes comprando de presentes de última hora na obrigação de agradar.Após o show, a nossa patota subiu pelas ruas da Vila Madalena até o Bar das Empanadas. Ficamos nas mesas do lado de fora para não esquecermos que era frio e domingo. Quem tem pressa?

Show da banda Zé Maria no Avenida Club (2 em 1) em 22/05/2005 - Foto minha


4 comentários:

Deh disse...

Numa noite gelada como hj, veio bem a calhar esse post.
Uma delicia, moço.
Cada virgula, cada vento...

Ana Ziccardi disse...

Não tenho lembranças assim do frio, apenas de quando era criança e, da escola, voltava à pé nos fins de tarde de inverno.Mas, com certeza, terei sempre na memória o calor de seus textos.

Karen disse...

Marcelito,

que texto bonito! Cheio de lembraças, gostos e cheiros.
Adorei seus recortes sobre acontecimentos da sua vida na cidade de São Paulo.
Tá aí um lado seu que eu ainda não tinha visto nos textos. Mais romântico(no sentido amplo) e poético.
As palavras traduziram bem a sensação de nostalgia, de poesia mesmo. Palavras fortes.
Fiquei imaginando as cenas.

Muito legal!
Beijoss
beijoss

Vivi Peron disse...

Marcelito, adoro esta sua frase: “Eu levo a diversão a sério”... Saudades do tempo da facul ou melhor dos encontros no “Gaúcho e afins”, onde o papo ficava em dia, com mais freqüência. Curti o texto! Aquele som de jazz encaixou perfeitamente como uma trilha sonora da narrativa, bom, o Lucas Santtana já virei fã, sou suspeita pra comentar. Beijo!