quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Aberto para balanço


Ultimo dia de Janeiro e quero contabilizar os filmes que assisti no mês. Em fevereiro não devo repetir essa contagem por aqui no blog. Adquiri alguns filmes de uma locadora muito boa que fechou. Achei um site que tem muita coisa boa para baixar também. O mês foi agitado e quero esse ritmo o ano inteiro. O post de hoje serve como incentivo para manter uma boa média mensal e chegar a 100 filmes assistidos até o final do ano. Só fui duas vezes a algum cineclube, frequência que pretendo aumentar. Sem sofrimento, pode crer!

Escolhi o poster de “Árido movie” para colocar aqui ao lado. Gostei muito do filme. É dirigido por Lírio Ferreira, que também fez “Baile perfumado”. As duas películas mostram o sertão de uma forma bem menos caricatural que outros filmes, daí meu apreço. "Árido movie" é um filme de estrada, com muitas locações externas. Tem uma pegada meio marginal por tratar com tanta naturalidade alguns temas como drogas, escassez de água, política, tráfico de influências e relações familiares destruídas. Qualquer hora falo dele por aqui. Recomendo.

Abaixo, a lista do mês. Filme, ano, diretor e onde assisti. Reprise, caso já tenha visto.

“Crônica da cidade amada” – 1965 – Carlos Hugo Christensen – Sala do CCBB

“Uma noite sobre a Terra” – 1991 – Jim Jarmusch – DVD (Download internet)- Reprise

“Jurassic PArk 3“ – 2001 – Joe Johnston – TV Globo

“Novembro” - 2003 – Achero Mañas – TVA Eurochannel

“Velvet Goldmine” – 1998 – Todd Haynes – DVD (Download internet)- Reprise

“Lei do desejo” – 1986 - Pedro Almodóvar - HSBC Belas Artes

“Árido Movie” – 2006 – Lírio Ferreira - DVD (Download intenet)

“Entre dois amores” – 1985 – Sydney Pollack – DVD (Acervo pessoal)- Reprise

“Orfeu” – 1949 – Jean Cocteau - DVD (Acervo pessoal)

“Obsessão” – 1942 – Luchino Visconti - DVD (Acervo pessoal)

“Alphaville” – 1965 – Jean Luc Godard - DVD (Acervo pessoal)

“Amarelo manga” – 2003 – Cláudio Assis - DVD (Acervo pessoal)- Reprise

“O profissional” – 1994 – Jean Luc Besson – TVA Cinemax Prime - Reprise

“Os infiltrados” – 2006 – Martin Scorcese - TVA Cinemax Prime


quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Crítica ao texto "Livre arbítrio"

Abaixo leiam a crítica ao meu texto,"Livre arbítrio", escrita por Plínio, do blog Crimidéia. Recomendo. Apareçam por lá também. Mais informações sobre a atividade dos textos e das críticas nos posts "Parênteses" e "Parênteses 2". Nessa etapa da atividade critiquei o texto "Um segundo" do blog "Três dedos de prosa".

"O conto é cru, realista, palpável. O vocabulário consegue se manter simples sem se tornar repetitivo. A construção de imagens e cenários é interessante, mas acredito que possa ser um pouco mais concreta.

É fascinante a imagem do homem cansado do mundo, que se diverte com seu próprio sarcasmo, já não dá a mínima para o que pensam os outros, num embate de consciência levado pela nostalgia. Acaba por mostrar o quanto essa nostalgia é sem sentido, sem valor. Afinal, de gravata ou de bermuda, com dinheiro ou com cachaça, somos todos vítimas de nós mesmos e desta merda que nos rodeia. Se temos que escolher entre fingir uma vida de moralidade e dedicação a um objetivo cristão ou assumir a própria humanidade, respirar as moscas e continuar vivendo, o Marcelo do texto escolhe a segunda alternativa e sorri de peito aberto diante do mundo cinza que expõe.

Abrir bem os olhos e enxergar as pessoas e situações nuas, sem disfarces, com todos os seus erros e vícios. Aproveitar com o melhor humor possível os pequenos prazeres antes que a velhice, um ataque cardíaco ou um carro desgovernado te leve pra fora desse jogo à que chamamos vida. É isso que o texto nos diz."

Embriague-se, Marcelo, curta as festas e mande o gerente do banco fazer um rolinho com as apólices de investimentos e enfiar. Porque, no final, diante da inevitabilidade do estado de decomposição da vida, seja casando com uma Tânia da vida ou torrando o seguro desemprego na Praça Roosevelt, seu ombro esquerdo lhe será certamente conselheiro muito mais sábio."



quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Parênteses 2

Outras notas e a crítica

-Conforme prometido, publico a crítica ao texto "Quem define os sonhos?" postado aqui no dia 11 de janeiro e redigida por Fernando Thadeu. Não custa repetir: essa crítica ao texto, o próprio e o post mais recente chamado "Livre arbítrio" fazem parte de uma atividade (ou brincadeira) de alguns alunos de jornalismo, eu incluso, ciceroneados pela professora de Língua Portuguesa, Ana Ziccardi, que sugere temas e sorteia quem vai criticar o texto de quem. Mais informações no post "Parênteses".

-Os temas sugeridos nessa etapa foram " A vida em um segundo" e "A vida é feita de escolhas", algo por aí. Participam dessa atividade os blogs: Sogripa! O blog - Blog do Thadeu - Jesus me chicoteia! - Três dedos de prosa... - Crimidéia - Expresso sem açúcar , por favor! - Em busca do inefável
Leia!

-A minha participação como crítico foi postada no blog "Jesus, me chicoteia!". A crítica, que intitulei "Desequilíbrio na cadeia alimentar", trata do texto "Concorrência desleal", publicado no mesmo blog. Aliás, recomendo a leitura deste para deleite e diversão.

-O próximo passo da atividade é a publicação, aqui no "Amor aos domingos", da crítica ao texto "Livre arbítrio".

-Fernando Thadeu, que preferiu não colocar título ao seu texto, dá sua opinião sobre "Quem define os sonhos?" a seguir.

"O texto de Marcelo Fabri é muito criativo, apresente uma boa desenvoltura em sua forma e no desenrolar da estória. Gostei muito do texto, mas acredito que poderia ter investido um pouco mais no final.
Imagino que o Marcelo escreve com muita facilidade, pois é isso que fica claro quando lemos suas descrições. Enquanto lia o texto, um filme passava em minha cabeça. E, geralmente, é sempre isso o que acontece quando leio textos que me agradam.
Apenas o título não me chamou muito a atenção, mas tenho certeza de que se o Marcelo colocar sua criatividade para funcionar, os títulos ficarão bem melhores.
Às vezes, por esquecimento ou desgaste da imaginação, acabamos por não dar um real valor ao título, a porta de entrada para a leitura de nosso texto."

(Fernando Thadeu Fonseca dos Santos)


terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Livre arbítrio

(Visita de domingo)


Prestes a tomar alguma decisão me lembro do clichê, muito utilizado por publicidade e desenhos animados, do anjo e do diabo pendurados nos ombros, num debate de quais escolhas são corretas. Além disso, me escondo em alguma parte da casa e começo a falar sozinho. Na verdade falo com as criaturinhas. No ombro esquerdo, o diabinho sugere as coisas subversivas e do prazer sem limites e o anjinho na direita, tudo aquilo que é sensato e de acordo com os bons costumes. Entro na banheira cheia e fico sentado com os ombros fora da água. Quando uma das criaturinhas se invoca e usa artifícios muito baixos na sua argumentação eu deito mais na banheira e afogo o lado que está me irritando.

Mas ali no banco, em frente ao gerente da minha conta, eu não tinha nenhum lugar para ficar sozinho e falar alto comigo mesmo. As criaturinhas ficariam envergonhadas de aparecer em um local público. Disse ao engravatado que pensaria e traria uma resposta. O seu olhar foi impiedoso, pior que o de uma mãe irritada, para soltar uma frase indigesta: “você foi demitido e cada dia que protela para investir seu dinheiro, ele vale menos”.

Assim como o personagem de Nicholas Cage, no filme “Despedida em Las Vegas”, resolve beber até morrer depois de ser demitido, eu decidi gastar toda a minha indenização e os meus direitos trabalhistas até minguá-los e não trabalhar. O ombro esquerdo levou a partida. O diabinho não usou um argumento tão sofisticado, mas me fez refletir que a criatividade é o que move minha profissão. Portanto, resolvi me entregar aos prazeres. Sentir o cheiro do bairro em horários desconhecidos até então, deixar a brisa da madrugada bater no meu rosto, ver os dias amanhecerem, chegar tarde nos bares, filosofar no meio do dia com algum amigo e não ter hora para me entorpecer. Afoguei o gerente de banco pelo ombro direito.

Dois meses como “bon vivant” e não tive nenhuma crise de consciência. Nem lembrei que pudesse ser uma escolha atrevida, egoísta e que pudesse ser recriminada. Mas quando vi Renatinho de longe, parado numa esquina perto de casa, o germe da dúvida colocou a cabeça para fora.

Ele era dono de um típico boteco do centro, na rua Nestor Pestana. Azulejos coloridos, balcão de fórmica, cheio de bebuns e prostitutas, freqüentado por atores, jornalistas, músicos, atrizes e alcoólatras de escritórios da redondeza. Minha cara. Depois que o pai morreu, o bar durou pouco na mão dele e do irmão. Não o vejo há dez anos, um pouco menos. Uma ex-namorada nos afastou. Tânia chegava mais cedo que eu no bar e ele aproveitava o meu atraso para ser simpático e gentil. Depois de um tempo, para ser abusado e lascivo o suficiente e levá-la ao fundo do bar. Sabe-se lá quanto tempo e quantas escapadas foram necessárias até decidirem ficar juntos.

Ali, parado na esquina, os seus amigos o chamavam de Renato, sem o diminutivo. Dez da manhã. Eu chapado e ele vestido para o futebol. Mas por que perto da minha casa? São Paulo é tão grande. O sol fazia cócegas no meu pensamento. Não conseguiria me controlar e ia rir sem parar quando estivesse na frente dele. Ia ser desastroso. Ainda escutava as músicas da festa que acabara de sair. Não queria um papo nostálgico para afastá-las, aliás, eu não estava em condições de conversar.

Tentando atravessar a rua, quase fui atropelado. O barulho da freada chamou atenção dele e de todos, naturalmente. Não me abati pelo ocorrido e, como previsto, comecei a rir enquanto ele falava alto um monte de coisa de quem mata as saudades. Eu não ouvi nada. Parecia que eu ainda estava na festa com a música alta e seus lábios se mexiam produzindo um som bem menor. Nem sei como cheguei em casa depois desse rápido encontro.

À noite, acordei com o seu telefonema. Reclamou bem humorado que eu ainda estava em casa. Eu havia combinado de passar na casa deles hoje mesmo. Sim, eles ainda formavam um casal. Segundo ele, prometi até levar um sorvete e só não decidi o sabor porque não parava de rir.

- Você vem ou não vem? – perguntou.

Por um instante achei que precisaria papear sozinho com meus ombros. A primeira centelha de insegurança desde o desprezo ao gerente de banco. Era natural esse sentimento. Eu encontraria Tânia que me trocou por alguém que sempre escolheu por trabalhar. O que eu diria a eles quando me perguntassem sobre trabalho? “Veja bem. Um diabinho me soprou na banheira, pelo ouvido esquerdo, que devo aproveitar o máximo que a vida e o dinheiro têm a oferecer”. Digo pelo menos quando pretendo voltar a trabalhar? Que piada! Que se danem. Engulam com ou sem água minha resposta.

- Em quarenta e cinco minutos chego à sua casa. - respondi com firmeza.

Olhando aquele casal com seus três filhos, fiquei orgulhoso das minhas decisões. Toda insegurança foi embora quando entrei naquela casa. Tânia desfigurada pelo matrimônio, nem trabalhava mais. Só cuidava da casa e dos filhos. Renatinho só fazia alguma caridade a ela quando resolvia cozinhar macarrão com molho de caixinha ou a levava em algum shopping suburbano. As crianças davam tanto trabalho, que quase não conseguíamos conversar. O que era bom, de certa forma. Não queria profundidade.

Eu tive a impressão que o passado ficou tão distante para eles que talvez tenham esquecido que era comigo que Tânia namorava. Mas ela não deve ter esquecido que sua escolha à época era casar e ter filhos. A escolha de Renatinho nunca me interessou. Com as crianças chorando me despedi aliviado. “Até à próxima!”, menti.

Um táxi me deixou na porta da próxima farra, na Praça Roosevelt, muito perto da Rua Nestor Pestana.


domingo, 13 de janeiro de 2008

Parênteses

Algumas notas.

-Esse blog foi criado a partir de uma atividade sugerida pela professora de Língua Portuguesa do curso de jornalismo que estou matriculado, junto com outros alunos do curso, que ainda nem conheço. Soube da sua idéia em dezembro de 2007 e logo quis participar. A coisa funciona assim: ela sugere um tema, nós escrevemos, postamos nos blogs e, em seguida, sorteia quem vai criticar o texto do outro. Feita a crítica, será postada e assinada. Portanto, o texto abaixo, "Quem define os sonhos?", e somente ele por enquanto, faz parte dessa atividade. O próximo texto deverá ser a crítica assinada por um dos alunos.

-O nome "Amor aos domingos" se refere a um projeto antigo de escrever textos em que o domingo seja um dos elementos. Então, toda vez que eu escrever ficção, terá um subtítulo entre parênteses que situa a aparição do domingo, assim como em "Vento frio" que acrescentei "(Domingo após o trabalho)".

-Criar um blog também era um projeto antigo. A atividade sugerida pela professora foi um empurrão na hora certa. Aproveitarei o espaço do blog para dar algumas opiniões, relatar sentimentos, sugerir lugares, entre outros tantos usos que farei. Quero treinar

-Os temas da atividade ficaram assim: "promessas de ano novo" ou "freegans". E os blogs são: Sogripa! O blog - Blog do Thadeu - Jesus me chicoteia! - Três dedos de prosa... - Grita São Paulo - Expresso sem açúcar , por favor! - Em busca do inefável
Leia!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Quem define os sonhos?

(Briga pelo telefone no domingo à tarde)


Peguei um ônibus e deixei São Paulo correndo. Pensei até em fazer um sorteio dentro da rodoviária e a sorte me trazer alguma cidade como destino. Mas não era a hora de arriscar tanto. Precisava mesmo descansar e sumir com todos os sintomas que a cidade deixou grudado. Tudo me incomodava, até barulho de chinelo arrastando pelo chão. A intenção era trocar o apito de alarmes de automóveis por pássaros e ondas batendo nas pedras. Largar as coisas assim, de uma hora para a outra, não é difícil para mim. Confio no meu tempo livre e não nas horas trabalhadas; não acredito no lucro.
A parada final foi uma vila de pescadores perto de Parati. Nada de televisão, telefone e sapatos. Uma casinha de sapé me serviu de hospedagem. Fogão a lenha no lugar de frigobar, uma janela com vista para o mar no lugar de TV a cabo e um galo para me acordar no lugar do celular. Esses prazeres são indispensáveis. Eu não considero que seja um paraíso, algo inalcançável ou privilégio de poucos. Eu acredito mesmo no ócio criativo como ideal de vida intercalado com o trabalho sem idolatria, como diria o pensador italiano Domenico de Masi.
Num domingo, fiz uma pequena visita à Parati. Entrei num restaurante e, tomando um café expresso, assistia involuntariamente um telejornal. Apesar de ter acionado um filtro auditivo para não escutar os repórteres e apresentadores, reconheci André na tela. Ele não deu entrevistas, mas aparecia em alguns planos de câmera, sempre ao fundo. “Eles adotaram o estilo de vida ‘Freegan’ e negam o trabalho e o capitalismo” dizia o repórter. “Belos ideais” pensei sorrindo. A câmera mostrava jovens recolhendo restos de uma feira livre no ABC paulista. A narração do repórter era cheia de preconceito e ironia, sempre sinalizando que os jovens não queriam trabalhar e muito menos pagar por serviços como aluguel, transporte e outros serviços públicos. Mesmo quando alguém do grupo relatava as suas propostas, “apoiamos a generosidade, o interesse social, a liberdade, e a ajuda mútua”, o melhor comentário do repórter era: “O sonho desses jovens esbarra na realidade. Um ideal romântico como esse é possível ser concretizado?”. A reportagem também queria denotar que os jovens tiravam a oportunidade de pessoas com baixa renda de aproveitar o famoso fim de feira.
Fiquei muito contente pela escolha de André. Ele era um recente namorado da minha filha, Lorena. Desde que eu o conheço já era “vegan”, ou seja, não consome nenhum tipo de produto animal, nem ovos, nem leite e roupas de couro e similares. Ela é ovolactovegetariana há alguns anos e começou a introduzir receitas vegans na sua dieta.
Um orelhão na frente do restaurante me incentivou a ligar para Lorena. “Lorena, vi o André na TV!” gritei. Ela bufou forte e quase me xingou:
- Você viaja para fugir das coisas e vê TV? Eu não quero falar do André. Ele não sabe o que quer. Eu não como nada que tenha sacrifício animal, mas não sei se quero mudar o mundo agora.
Percebi que meu apreço pelo ideal “freegan” não era unanimidade naquela família. Minhas leituras na juventude, eventos na universidade, filosofia barata em botecos, juras de amor, entre outras coisas, eram um ensaio para chegar nesse estágio de liberdade. Negar o consumo desenfreado, adotar sistemas de autogestão inspirados nos anarquistas, se alimentar sem precisar de crueldade e do sangue dos animais, era tudo o que eu queria e não tive “colhões“ para encarar. Fugir de uma cidade para a outra e curtir era uma coisa, mas mudar radicalmente de posição era preciso coragem e determinação. E o jovem André tinha. Lorena não reconheceu isso e muito menos apreciou. Era uma espécie de egoísmo que tomava conta dela aos 19 anos de idade? O que essa sociedade embutiu na sua cabeça que eu não consegui imunizar? Telefonei novamente e brigamos mais uma vez
Era uma situação confusa. Eu, o pai, incentivando que ela viva num ideal ético que a maioria dos pais quer distância; eu, o pai, frustrado com as posições caretas e capitalistas da filha; eu, o pai, forçando a barra pelo telefone sem estar na pele dela; eu, o pai, admitindo a própria covardia de não aplicar as utopias das conversas de boteco.
André, com seus 20 anos, não tem a verdade superior. Nem eu. Talvez tenhamos um senso humanista exagerado e uma noção que “Os novos baianos” já cantaram: “o mundo é oval e a vida é uma” na música “Caia na estrada e perigas ver”. A pressa em ver o mundo mudar fez André útil e prático. Fará a sua parte mostrando essa “anarquia vegan”. Quanto a mim, essa pressa não me encorajou o suficiente. Só sirvo de alto falante, ou papagaio de pirata.
Na volta desse ensaio de rebeldia aqui perto da areia e do mar pedirei desculpa à Lorena. Quem sou eu para cobrar que ela seja aquilo que não consegui ser? Quero conhecer os sonhos de Lorena e que sejam com ou sem André.
De volta à vila, aproveito para pedir uma canção ao hippie que está ao meu lado com um violão. É do Caetano Veloso, mas ficou conhecida na voz de Gal Costa, chamada “Divino maravilhoso”. Digo para ele que me ajudará a refletir. Ele toca com algumas dificuldades na letra, mas eu e sua amiga o ajudamos: “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte(...)tudo é perigoso, tudo é divino e maravilhoso”.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

LPs ocupam mais espaço


Não compro mais CDs. Eles são pequenos e ficam feios por causa da embalagem de plástico. Fazer download de mp3 também me afastou desse consumo. As discussões sobre direitos autorais, marketing e a posição das gravadoras no combate aos downloads me dão preguiça. Quando penso em alguns artistas e quero ter seus álbuns, me decepciono com o CD.

Veja só: uma capa de long play mede 30cm X 30cm, e o CD 13cm X 13cm, medidas aproximadas. A arte da capa de um disco de vinil é 5 vezes maior. É só lembrar de capas maravilhosas e imaginá-las em formato CD. Ou melhor, hoje em dia o normal é o inverso: imaginá-las em formato long play. A capa de “Physical grafitti” do Led Zeppelin, lançado em 1975, contem uma diversão que só acontece no formato maior. O álbum é duplo e os dois encartes que envolvem os discos têm inúmeras imagens que são do mesmo tamanho das janelas vazadas no papel da capa do disco. Você escuta o álbum e forma várias combinações de janelinhas. E as mulheres nuas na capa de “Electric Ladyland” (1968) de Jimi Hendrix? Quem comprou em vinil viu as mulheres em um tamanho parecido com os calendários pendurados em borracharia, mas quem comprou em CD teve a impressão que via aqueles calendários sacanas de bolso, em formato de cartão.

Ali no começo da década de 90, quando comecei a consumir CDs, é lógico que adorei a novidade. Consumi, consumi e consumi por mais de dez anos. Esse discurso do tamanho da capa eu sempre usei, mesmo empolgado pela novidade. Era uma forma de me proteger, de disfarçar esse meu apreço pela tecnologia, de demonstrar rebeldia perante a novidade capitalista. Não queria ser um pequeno burguês assumido. Formei uma coleção que está aqui agora, olhando para mim. Ocupa bem menos espaço que os vinis, mas causa menos impacto também, como citei mais acima.

Existe uma coleção de vinis aqui em casa que não olha pra mim. Portanto, nesse fim de semana resolvi limpar os discos de vinil e trocá-los de lugar. Comprovei novamente o quão impactantes eles são logo de manhã. Meus braços e minhas costas estão doloridos. Não me arrependo. Estamos juntos outra vez.

Esse interesse renovado, essa nostalgia revitalizada, teve seu ápice em setembro de 2007. Procurava um presente especial para impressionar. O aniversariante merecia. Entrei numa loja de discos por força do hábito e não para procurar o presente, mas dei de cara com uma peça que encerraria a busca. O álbum dos Stooges, lançado em março de 2007, em vinil duplo, chamado "The Weirdness", depois de 34 anos sem gravar. Babei, suei frio e peguei-o na mão para observar os detalhes. O preço estava justo, mas já estava encomendado. Talvez pela decepção, só depois de uma semana lembrei que poderia comprar via internet. Comprei para mim. Para o aniversariante encomendei outro vinil que se encaixa mais ainda no seu gosto musical, um clássico do rock de garagem de Detroit, chamado “Ultraglide in black” dos Dirtbombs.

Em novembro de 2005, os Stooges vieram pra São Paulo tocar no festival “Claro que é rock”. Eu tive que conferir, não podia perder. Fiquei satisfeito até o osso. Eu tenho um pé atrás com bandas que retomam turnês para complementar aposentadoria, e pedir para o público cantar junto com isqueiros acesos, mas Iggy Pop à frente da banda não faz esse gênero. Os caras trabalharam duro e se divertiram. Uma porrada atrás da outra.

O vinil dos Stooges tem 16 minutos (quatro músicas) a mais que o CD. Saí ganhando em tamanho da arte da capa e na quantidade de músicas. Não compro mais CDs.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Um flâneur na rua Barão de Itapetininga


A arte de flanar me atrai muito. No dicionário (Houaiss), flanar é “andar ociosamente, sem rumo nem sentido certo; flanear, flainar, perambular”. O primeiro “flâneur” famoso foi Charles Baudelaire. Pelas ruas e galerias de Paris, ele observava tudo e todos, eternizava eventos passageiros e tornava o que era inútil em arte. No Brasil, influenciou diretamente João do Rio, jornalista e cronista carioca que, em 1907, lançou o livro “A Alma encantadora das Ruas”. Em um trecho desse livro que copiei de um outro blog, me identifico até o pescoço: “Flanar é ser vagabundo e refletir, é ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem; é ir por aí, de manhã, de dia, à noite(...)”. Maravilha!

Como estou em férias, Baudelaire não sai da minha mente. Na hora de flanar hoje, levarei um livro dele que ganhei ano passado e ainda não terminei: “Paraísos artificiais: o haxixe, o ópio e o vinho”.

Ontem, perambulei no centro da cidade, antes de assistir o filme do post abaixo. Baudelaire no “Quartier latin” e eu na Barão de Itapetininga. Entre um chá gelado com limão e promotores perguntando se eu precisava de dinheiro emprestado, entrei numa galeria atrás de discos de vinil. Não é a galeria do rock. É mais tranqüila, não está na moda, ninguém faz pose de mau e os discos são mais baratos. Depois falo do meu desgosto pelos CDs em outro post.

Foi uma delícia ver aqueles “long plays” pendurados ou cheios de pó na prateleira. Apaixonei-me por vários. Tentei levar alguns mais baratos, mas as lojas não aceitavam dinheiro de plástico, só em espécie mesmo. Antes de providenciar papel moeda, passei por uma que vendia um disco que eu estava atrás há algum tempo: “Balançando” de Milton Banana Trio. O disco é de 1966 e tem uma música que muito me atrai e se chama “Cidade Vazia”. Eu a conheci primeiro como um “sampler” na música “Você gosta” do produtor musical chamado Suba, no disco São Paulo Confessions (que, aliás, é um dos 1001 discos citados para se ouvir antes de morrer, conforme primeiro post desse blog).

Numa outra ocasião, no meio de uma festa, um amigo me soprou no ouvido: “Você precisa conhecer Milton Banana Trio”. Ouvi em mp3 poucos dias depois e o samba-jazz deles me conquistou.

Milton Banana foi um baterista muito importante da bossa nova. Participou, por exemplo, da primeira gravação de “Chega de saudade” de Tom e Vinícius, feita por João Gilberto.

Preciso voltar nessa galeria. Fazer uma pesquisa de trios de samba-jazz e entrar nessa loja novamente. Zimbo Trio, Copa 5, Rio 65 Trio já estão na minha lista. Os ingleses que produzem “acid jazz” ficam doidinhos quando escutam nossa música instrumental.

Apesar do calor, as ruas me esperam.

Filme antigo, ano novo


Meu primeiro filme do ano: “Crônica da cidade amada”. Assisti ontem (03/01) no Centro Cultural Banco do Brasil, numa mostra chamada “Clássicos e raros do nosso cinema”. Dirigido por Carlos Hugo Christensen e lançado em 1965, o filme tem onze capítulos - ou crônicas – tipicamente cariocas sobre Copacabana e arredores. Os episódios são baseados em textos de Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade, Orígenes Lessa, Dinah Silveira de Queiroz, Paulo Rodrigues, Fernando Sabino e Millôr Fernandes. Belo time. É uma comédia que garante a diversão e não tem pretensões artísticas sofisticadas.

O elenco é eficiente e sem estrelismos na interpretação. Estão lá Cecil Thiré, Grande Otelo, Jardel Filho, Oscarito, Procópio Ferreira, entre os mais famosos.

A produção consegue deixar o espírito dos anos 60 escorrer pela tela. Os carros, os biquínis, os penteados, os figurinos, as gírias, está tudo lá deixando o rastro da década. Outro indício de época é a apresentação de um trio de samba-jazz chamado “Rio 65 Trio” em um dos episódios. Só descobri o nome do trio depois de pesquisar sobre a trilha sonora, pois na hora que vi os músicos em cena , achei que era o “Milton Banana Trio”, que eu gosto bastante. Aliás, 20 minutos antes, havia comprado um vinil deles, o “Balançando”. Quase uma coincidência.

A programação da mostra vai até dia 20/01 e conta com os imperdíveis “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, “O bandido da luz vermelha”, “Os Cafajestes”, “As sete vampiras”, além da reprise deste que assisti. A entrada custa 4 mangos e meia entrada para estudantes e clientes do Banco do Brasil.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Vento frio

(Domingo após o trabalho)


O vento noturno deixava o frio mais bravo. Parecia que ele procurava meu rosto: ia até a esquina, entrava na garagem do prédio, voltava irritado e acertava minha fronte em cheio. Até me desconcentrava. Eu errava os caminhos, atropelava motos e não prestava atenção na música que apertava meus ouvidos. Lembro que saí de casa ouvindo uma cantora no fone de ouvido e não sabia se o vento frio me deixaria ouvi-la até chegar em casa.

Sonhava com alguma cashmere perdida no armário, mas próximo mesmo só o conhaque no boteco. O volume no bolso anunciava alguns trocados em forma de moeda. O suficiente pra esticar a mão com segurança e pedir o conhaque surrado. Enxerguei alguma luz amarela de boteco saindo fraca no meio de um quarteirão, apertada no espaço de um comércio pequeno e sujo. Luz amarela que destoou com a noite cinza e deixou a composição bem feia. Meu conforto dependia desse lugar apertado, feio e usurpador da poesia noturna cinza, cheio de estórias repetitivas de bêbados e cachorros com sarnas. Hoje ele estará ainda pior, pois abrigará pessoas como eu, que se atordoam com facilidade.

Entrei. Todos me olharam. Não eram muitos. O suficiente para me pôr em xeque. Algumas técnicas de respiração e alguns passos me deixaram frente a frente com o pior humor do bar: o dono e sua barba cheirando a cachaça e cinza de cigarro.

- Fala !! - ele rosnou.

Seu cabelo levou uma rajada de vento frio (aquele mesmo que me seguiu o tempo inteiro) e a fisionomia piorou ainda mais. Eu quis ser firme mas só consegui soltar um miado tenso e alto demais:

- Um conhaque em copo de plástico...

Ele fechou um olho e outro me olhou firme. Depois olhou para os outros clientes cheios de graxa pela roupa e levantou a mão pra compartilhar o quanto desaprovava o teor do meu pedido. Resmungou que no copo de plástico era mais caro.

- Eu pago – obedeci .

- Lógico que você vai pagar ! - disse ele.

Explodiu um coro de risadas. Elas devem ter acordado todo o quarteirão. Esquentaram o bar e minhas orelhas. O boteco mudou de cor com a explosão. Isso me salvou. Fiquei menos tenso e fui embora com a bochecha vermelha e envergonhada.

O vento foi embora na minha frente. Não gostou do calor das risadas. Tropecei de leve num bueiro deixando pingar algumas gotas da bebida no chão. A oferenda involuntária de conhaque ao santo assustou mais ainda o vento, que chegou em casa primeiro que eu.

Quem me embalou nos passos quentes e levemente alcoolizados para casa foi a cantora e sua guitarra, pelo fone de ouvido. As luzes cinzas da noite fria voltaram a ficar lindas. A curiosidade me fez olhar a luz do boteco novamente, só que agora bem longe, de amarelo se transformou em vermelha. Era sinal de que ainda riam de mim.

Ano novo , livro novo (2)


O segundo livro (citado no post abaixo). Típico para lembrar da liberdade, apesar de tudo.
Charles Bukowski é um dos meus heróis. Ou melhor: anti-herói. Sou chegado em autores "malditos" e em obras malditas e ele se encaixa como uma luva no gênero. Alcoolismo, prostitutas, brigas, marginais e o "escambau" povoam seus contos. "Misto quente" é um romance. Originalmente de 1982, têm nuances autobiográficas e trata de um período que vai da década de vinte até 1941 (acaba exatamente com o ataque dos japoneses em Pearl Harbour). Como nasceu em 1920, o livro narra infância, adolescência e começo da vida adulta. As críticas, a contra-capa e o prefácio insistem em dizer que ler essa obra ajuda a entender a formação do Bukowski escritor e seu estilo. Certíssimo.
Terminei de ler hoje, dois de janeiro. Fiquei empolgado pra começar o ano nesse pique, com "Trópico de capricórnio" de Henry Miller e "Pergunte ao pó" de John Fante.
Ainda estou na digestão de "Misto quente" e posso garantir que não é pesada. Não é uma sopa, evidente, mas também não é um joelho de porco completo(o próprio com chucrute, purê de batata holandês e arroz com curry).
Eu só conhecia suas experiências da fase adulta, já que toda sua obra tem características autobiográficas. Conhecê-lo assim, com pouca idade, foi educativo. Entendi como o álcool entrou na sua vida; entendi como se formaram suas posições políticas; entendi como funciona o germe do escritor e, nesse caso, um escritor maldito; entendi até outros escritores que fazem panfletagem da liberdade com pensamentos sofisticados, mas que nas páginas de "Misto quente" são simples e originais.
Enfim, o livro custa menos de 20 mangos pela ótima coleção da L&PM Pocket, vendida também em banca de jornal.
http://www.lpm-editores.com.br/v3/livros/layout_produto.asp?ID=739188
http://www.lpm-editores.com.br/v3/livros/layout_autor.asp?ID=57

Ano novo , livro novo


Entre natal e amigo secreto, saí com dois livros debaixo do braço:"1001 discos para ouvir antes de morrer" de Robert Dimery e Michael Lydon e "Misto quente" de Charles Bukowski.
O primeiro é um típico "coffee table" que, pelo título, seria alvo dos meus preconceitos. Mas uma pequena folheada foi suficiente para me envolver. Os números são exageradamente deliciosos: 50 anos de música, 90 jornalistas de renome internacional, 960 páginas, 900 imagens (e muitas de página inteira), além da quantidade de álbuns citados no título. Não cheguei a pesá-lo, mas posso garantir que não é exagero - e nem delicioso - ficar com dor nos pulsos ao tentar lê-lo em pé no metrô ou em pontos de ônibus.
Tenho lido sem ordem direta. Às vezes escolho um ano, às vezes procuro um artista ou um álbum no índice remissivo, às vezes abro qualquer página. É interessante lembrar do lançamento de algum disco que está lá; rever clássicos que escuto desde a adolescência; ler sobre obras que nunca ouvi e acionar algum programa "peer-to-peer" para baixar em mp3.
O conteúdo é rico em informações de bastidores, informações técnicas de produção e projeto gráfico, além de contextualizar a obra no seu tempo. Em muitos casos entende-se, através da crítica do jornalista, influências que essas obras sofreram ou o que vão causar no futuro.
Sem pressa de acabar.